
Medida defendida por Donald Trump reacende debate sobre comércio internacional da carne e pode alterar o equilíbrio do mercado bovino sul-americano
O ex-presidente norte-americano Donald Trump afirmou que os Estados Unidos poderiam comprar carne bovina da Argentina como forma de reduzir o custo da carne para os consumidores americanos. “Se comprarmos carne da Argentina, os preços cairão”, declarou Trump a jornalistas a bordo do Air Force One, durante voo da Flórida para Washington.
A declaração, feita em meio a um cenário de inflação alimentar persistente nos EUA, reacendeu o debate sobre dependência de importações e competitividade da pecuária norte-americana.
A proposta, porém, também tem potencial para impactar o mercado de carne bovina da América do Sul, especialmente Brasil e Argentina, os dois maiores exportadores da região.

Pecuaristas dos EUA reagem e alertam para riscos sanitários e comerciais
A National Cattlemen’s Beef Association (NCBA), entidade que representa os pecuaristas americanos, criticou duramente a ideia de ampliar as compras de carne da Argentina. “Essa medida cria caos em um momento crítico para os produtores e não reduz o preço ao consumidor”, afirmou Colin Woodall, CEO da NCBA.
A associação também lembrou que a Argentina tem histórico de febre aftosa — um dos temas mais sensíveis para a pecuária mundial — e que a balança comercial é desigual: nos últimos cinco anos, a Argentina exportou mais de US$ 800 milhões em carne aos EUA, enquanto os americanos venderam apenas US$ 7 milhões para lá.
Para a NCBA, a solução passa por deixar o mercado se ajustar sozinho, sem interferências governamentais que possam prejudicar os criadores locais.
Argentina ganha espaço, mas ainda depende do consumo interno
Segundo o pesquisador Derrell Peel, da Universidade Estadual de Oklahoma, a Argentina é hoje o sexto maior produtor e o quinto maior exportador de carne bovina do mundo, respondendo por cerca de 6% das exportações globais.
Mesmo com avanços, o país ainda consome internamente entre 70% e 75% de sua produção, o que limita o aumento das exportações. “Mesmo que os EUA dobrassem as importações de carne argentina, o impacto seria mínimo — menos de 2,5% da oferta total de carne no mercado americano”, explicou Peel.
A maior parte da carne argentina exportada é carne magra para processamento, usada na produção de hambúrgueres e produtos industrializados, semelhante à carne brasileira destinada ao mesmo fim.
Como o Brasil pode ser afetado pela medida de Trump
Para o agronegócio brasileiro, o movimento proposto por Trump acende um sinal amarelo — e talvez uma oportunidade. Caso os EUA realmente aumentem as importações da América do Sul, o Brasil poderá ser afetado de duas formas:
- Positivamente, com mais espaço em outros mercados internacionais, já que a Argentina teria parte de sua carne redirecionada aos EUA;
- Negativamente, se Washington reduzir tarifas ou ampliar cotas de importação, criando competição direta entre carne argentina e brasileira em alguns segmentos industriais.
Além disso, o Brasil mantém vantagem sanitária significativa, com status livre de febre aftosa com vacinação em quase todo o território — fator que reforça sua imagem de fornecedor confiável e seguro no cenário global.
Setor agro dos EUA pede soluções internas, não importações
Entidades como a National Farmers Union (NFU) e a U.S. Cattlemen’s Association (USCA) também rejeitaram a proposta de Trump. Para elas, o desafio está em restaurar a competitividade dentro dos Estados Unidos, e não em recorrer a importações.
“Reduzir preços começa com justiça de mercado, não com carne estrangeira”, afirmou Rob Larew, presidente da NFU.
“O mercado já está se ajustando naturalmente, não há necessidade de intervenção”, completou Justin Tupper, presidente da USCA.
Mesmo o Comissário de Agricultura do Texas, Sid Miller, criticou a ideia. Ele defendeu incentivos para aumentar a produção interna, como abrir terras federais para pastagem e reduzir impostos sobre criadores. “Precisamos fortalecer nossa capacidade produtiva, não terceirizar nossa carne”, destacou Miller.
Novo capítulo na geopolítica da carne sul-americana
A proposta americana surge em um momento de rearranjo global no comércio de proteínas.
Enquanto o Brasil consolida sua liderança como maior exportador mundial de carne bovina, a Argentina tenta reconquistar espaço após anos de instabilidade política e restrições às exportações.
Se os EUA abrirem mais o mercado para a carne argentina, o Mercosul poderá se fortalecer como bloco exportador, embora a disputa entre Brasil, Argentina e Uruguai por novos contratos internacionais deva se intensificar.
Impactos econômicos podem ser limitados, mas simbolismo é forte
Especialistas apontam que a medida dificilmente reduziria os preços da carne nos EUA, já que o volume potencial de importação é pequeno. Mas o simbolismo político e comercial do gesto é grande — sobretudo para o setor agro da América do Sul.
No médio prazo, o Brasil deve acompanhar de perto o tema, reforçando sua imagem de líder em sustentabilidade, sanidade e segurança alimentar — pilares que mantêm o país no topo das exportações globais de proteína bovina.
Mercosul no centro da mesa
A fala de Trump não muda apenas o debate interno dos EUA. Ela coloca novamente o Mercosul no centro da mesa global da carne bovina, mostrando que qualquer decisão em Washington pode reverberar nas fazendas de Goiás, Mato Grosso ou Córdoba.
Para os produtores brasileiros, o recado é claro: competitividade, sanidade e diplomacia comercial continuarão sendo as chaves do jogo.
Material traduzido pela equipe do CompreRural e adaptado da jornalista Angie Stump Denton do site Drovers.
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