
Sítio Terra Santa teve mais de 100 kg de queijos artesanais de cabra foram inutilizados por fiscais; produtores alegam crueldade e denunciam falta de diálogo: “produtor artesanal agora é criminoso”
Uma família de pequenos produtores rurais de Nova Trento, no Vale do Rio Tijucas (SC), viveu um dos episódios mais dolorosos desde o início de sua trajetória no campo. Proprietários do Sítio Terra Santa, eles viram toda sua produção de queijos artesanais de cabra ser destruída por fiscais e policiais após uma denúncia. A ação, segundo os relatos, ocorreu de forma abrupta, sem aviso prévio, sem direito a defesa e sem qualquer possibilidade de reaproveitamento.
O caso reacendeu o debate sobre a burocracia e a rigidez da legislação sanitária, que, segundo especialistas e outros produtores, trata o pequeno produtor artesanal como se fosse um criminoso, ignorando as especificidades e os avanços do setor nos últimos anos.
Sítio Terra Santa: Sonho transformado em pesadelo
Há dez anos, a família investiu no sonho de produzir alimentos de qualidade. Com poucos recursos, mas muita dedicação, construíram um pequeno laticínio no sítio, equipado com cozinha organizada, panela de pasteurização e câmara de maturação, sempre prezando pela qualidade e higiene.
Durante mais de seis anos, os queijos foram vendidos em feiras locais, com degustações abertas e contato direto com os consumidores. Durante a pandemia, a produção foi ampliada, mas as dificuldades financeiras persistiram. Para equilibrar as contas, o turismo rural surgiu como alternativa: nos últimos três anos, o sítio passou a receber visitantes para degustações guiadas, aproximando ainda mais o público da realidade do campo.
Com o negócio em crescimento, os produtores já tinham reunião marcada para ajustar detalhes finais da regularização junto aos órgãos competentes. Segundo eles, faltavam apenas pequenos ajustes e documentação. No entanto, antes que o processo fosse concluído, uma denúncia anônima mudou o rumo da história.
Ação sem diálogo e destruição total
Em uma manhã comum, fiscais acompanhados de policiais armados chegaram ao sítio e interromperam toda a produção, decretando interdição imediata do laticínio. Sem espaço para explicações, mais de 100 kg de queijos — premiados e de alta qualidade — foram inutilizados com produtos químicos, impedindo qualquer aproveitamento.
“O chão nos caiu sob os pés. Foram destruídos não apenas queijos e doces, mas o nosso trabalho, suor, sacrifício e lágrimas. Tudo considerado ‘impróprio’ sem chance de defesa”, desabafou a família nas redes sociais.
Os produtores relataram que imploraram para, ao menos, poder alimentar os animais com os queijos, mas o pedido foi negado. A cena, descrita como cruel e desumana, deixou marcas profundas.
“Pensávamos que, se viesse uma denúncia, haveria diálogo, prazos para ajustes, orientação. Mas não esperávamos uma ação violenta, fria e sem compaixão. Isso destruiu parte da nossa história”, lamentaram.
Com a produção perdida e o laticínio interditado, o Sítio Terra Santa suspendeu temporariamente suas atividades, incluindo vendas e eventos turísticos. A família agora busca orientação para tentar retomar a produção e regularizar a situação.
Solidariedade e crítica à legislação
O caso repercutiu fortemente nas redes sociais e entre entidades ligadas à produção artesanal. Produtores e consumidores expressaram solidariedade e críticas à postura das autoridades, destacando a falta de sensibilidade e de políticas adequadas para o setor artesanal.
Um produtor do mesmo segmento destacou:
“Foi um ato desproporcional e sem diálogo, contra uma produção séria e rastreável. Enquanto isso, grandes indústrias continuam operando com riscos muito maiores. Esse episódio escancara uma legislação ultrapassada, pensada para a lógica industrial, que exclui o pequeno produtor por não compreender sua realidade.”
Segundo ele, o problema não é isolado: “Já passamos por isso. Já vimos o fruto do nosso trabalho virar lixo. A dor deles é a nossa. A comida artesanal, feita com respeito ao tempo e à terra, não pode ser tratada como ilegal.”
Debate sobre a burocracia e a sobrevivência do artesanal
O episódio expõe um dilema enfrentado por centenas de pequenos produtores rurais no Brasil: a dificuldade em atender exigências criadas para grandes indústrias, sem uma legislação específica e acessível ao artesanal. Apesar da Lei do Queijo Artesanal (Lei nº 13.860/2019) e de programas estaduais de incentivo, a burocracia ainda é um obstáculo.
Especialistas defendem que o poder público precisa atuar com diálogo, orientação e incentivo, e não apenas com punições e interdições. A modernização das regras e dos processos de registro é vista como essencial para garantir a segurança alimentar sem inviabilizar o trabalho de quem produz com qualidade.
Esperança e resiliência
Mesmo abalados, os produtores afirmam que pretendem seguir lutando:
“Queremos dar a volta por cima, cumprir toda a burocracia e voltar certificados. A qualidade, nós já temos. Só precisamos de um sistema que entenda e valorize o pequeno.”
O drama do Sítio Terra Santa se tornou um símbolo da luta do produtor artesanal brasileiro: trabalhar com dignidade, entregar qualidade e ser reconhecido por isso, sem medo de ser punido por fazer o certo de forma simples e humana.
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