Fazendeira ou mulher de fazendeiro?

Nina Horta fala sobre o papel das mulheres no campo e como elas eram retratadas. Impressionante a forma como é abordado o tema.

Por Nina Horta

Fazendeira ou mulher de fazendeiro? Durante minha longa vida, as mulheres de sítios e fazendas sempre foram as duas coisas. Coleciono livros de receita antigos e são misturas de receitas, diários, cremes para não torrar a pele no sol e cartas. As cartas são as mais significativas. “João, Carlos está levando as linguiças pedidas e vai um saco de farinha junto.”

“A goiabada foi feita na semana passada e parece que ficou muito boa, é cascão. Diga a Edwiges e crianças que está aqui nas caixetas esperando todos, para ser colocada no prato junto com um bom leite de vaca. A menininha que você mandou para ajudar está bem e gostaria de ficar com ela mais uns meses, está aprendendo a bordar.”

Ah, o tema infinito da comida que nutre sempre tem mulher no meio, não aguentam ficar longe das colheitas e como aproveitá-las. Agora que a moda veio de cheio, da fazenda à mesa, as mulheres estão cada dia mais fazendeiras. Plantam, colhem e vendem e dão de comer. Poderosíssimas dentro de fazendas, pais, mães, médicas e cuidadoras ao mesmo tempo. Isso seria subordinação ou empoderamento? (Nenhuma das duas palavras saiu da minha cachola de cronista, mas às vezes é preciso apelar.) Nenhum dos dois, é a mulher do jeito que é e sempre foi. E engraçado é que quando saem dessa vida para a cidade vão abrir restaurantes, viram enfermeiras, cozinheiras, nutricionistas. (Nem sempre, eu sei.) A cidade quer comida não processada? São as mulheres que ensinam na televisão, e deixam espaço para algum churrasco dos homens.

Outras mulheres mais animadas transformam fazendas largadas em locais preciosos de comida orgânica. Verdade que isso acontece mais com aquelas que aprenderam o ofício de fazendeiras em casa, com a mãe… e com o pai também. São mulheres que se interessaram pela fazenda ao herdarem ou ao colocarem todo o dinheiro que tinham numa fazenda. Não há como negar que são criativas e que cavam respeito entre os homens com suas novidades. Muitas vezes precisam de apoio para que o antigo patriarcado as receba como pares. Mas insistem. As que têm como sócios maridos fazendeiros muitas vezes não se importam em serem chamadas de mulheres dos fazendeiros, contanto que levem adiante o seu trabalho, além disso, se não são nomeadas como fazendeiras, pois o tempo é repartido com os filhos e com as lides da casa. Com as novas tecnologias, ganharam um ponto, pois já não é preciso ter força bruta para lidar com as geringonças. Consertar o equipamento novo já é uma outra conversa e muitas fazendeiras rezam para que um dia os computadores venham com um homenzinho sabido ao lado. O equipamento é feito como extensão do corpo masculino, há que se pensar sempre e no futuro no corpo feminino, e isso vem aos poucos, nem as mulheres esperam que de um dia para o outro por um decreto sejam tão fortes como os homens. E nem querem.

As que aprenderam a lidar com isso nas faculdades não enxergam diferenças, ou apenas reclamam que o equipamento deveria ter sempre em mente as necessidades femininas, a força menor e a habilidade igual.

E conseguir financiamento? Vai indo devagar, mas vai indo. Enfim, tudo vai indo. A única vantagem e diferença é que estão sendo pesquisadas e levadas em conta por causa do estardalhaço que fazem quando querem ser vistas.

Os problemas são sempre os mesmos. Há épocas na vida das fazendeiras nas quais é preciso olhar para os filhos com mais cuidado. E na vida de qual profissional não é? É preciso cuidado, luta e tempo para que todas as coisas se modifiquem e sejam colocadas em seus devidos lugares. As mulheres não se descabelam, vão esperando. Esperar é coisa que aprenderam desde sempre.

Fonte: Globo Rural

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