Fazendeiro escocês mantém vacas e bezerros juntos por até seis meses, melhora indicadores de bem-estar e produtividade e agora pede apoio do governo para ampliar o modelo.
A imagem tradicional da pecuária leiteira mostra bezerros separados de suas mães logo após o nascimento, em um manejo que se tornou padrão ao redor do mundo. Mas, no sul da Escócia, um produtor decidiu romper com essa lógica. O agricultor David Finlay, da Fazenda Rainton, implementou um modelo inédito em escala comercial: manter vacas e bezerros juntos por cinco a seis meses, preservando o vínculo materno e favorecendo um manejo mais natural. O método, considerado radical por muitos, agora é estudado por universidades, elogiado por especialistas e observado com curiosidade por todo o setor.
A transformação começou em 2012, quando Finlay e sua esposa, Wilma, questionaram a necessidade da separação precoce entre vacas e bezerros — prática comum em fazendas leiteiras para direcionar todo o leite ao mercado. O casal não entendia por que mães e recém-nascidos eram apartados tão cedo, especialmente em um momento crucial de formação do vínculo e da imunidade dos animais.
Essa inquietação motivou a adoção do sistema chamado “vaca com bezerro”, utilizado anteriormente apenas em pequenas propriedades experimentais da Europa. A mudança, porém, foi arriscada. A fazenda enfrentou queda brusca na oferta de leite para comercialização, quase levando o negócio à falência. Foi necessário replanejar a produção, ajustar estratégias sanitárias e redesenhar completamente o modelo financeiro.
Superado o período crítico, a Fazenda Rainton começou a observar resultados surpreendentes. Segundo informações fornecidas por Finlay:
- os animais passaram a demonstrar comportamento mais calmo e saudável;
- os funcionários também relataram maior satisfação no manejo diário;
- os bezerros passaram a crescer mais rápido e apresentar desenvolvimento superior;
- as vacas aumentaram sua longevidade produtiva;
- e o sistema se tornou mais eficiente do ponto de vista econômico.
As informações do produtor indicam que, com o novo modelo, a fazenda conseguiu trabalhar com 25% mais vacas graças ao ganho de desempenho dos animais jovens. Ele explica ainda que as vacas passaram a produzir aproximadamente 25% mais leite, compensando o volume consumido pelos bezerros. Isso permitiu manter a oferta comercial mesmo deixando parte da produção para os filhotes.
Hoje, a Fazenda Rainton é considerada a maior fazenda comercial de vacas com bezerros da Europa, referência internacional no sistema.
Com os resultados obtidos, Finlay solicita ao governo escocês um aporte multimilionário para aprofundar pesquisas sobre impactos econômicos, ambientais e de bem-estar do sistema. A proposta visa complementar estudos já conduzidos pela União Europeia sobre o modelo.
O ministro da Agricultura, Jim Fairlie, informou que o governo tem compromisso com práticas sustentáveis e padrões elevados de bem-estar animal. Ele destacou que iniciativas inovadoras são fundamentais para tornar a Escócia líder global em agricultura regenerativa, reforçando que esse tipo de abordagem está alinhado com a Lei de Agricultura e Comunidades Rurais de 2024.

O sudoeste da Escócia — especialmente Dumfries e Galloway — concentra quase metade do rebanho leiteiro do país. Por isso, qualquer mudança no sistema de produção gera grande repercussão. Muitos criadores acompanham o caso com interesse, mas nem todos acreditam que o método possa se tornar padrão.
O produtor David McMiken, que administra um rebanho de 300 vacas, expressou preocupação com os custos operacionais e a logística. Segundo informações atribuídas ao criador, o sistema aumentaria gastos com mão de obra, ração e complexidade sanitária, dificultando sua aplicação em propriedades menores ou com menor disponibilidade de recursos. Há também o questionamento sobre o estresse da separação tardia, já que vacas e bezerros criam um vínculo materno mais intenso ao longo dos meses.
O sucesso do modelo desenvolvido pela família Finlay chamou atenção de instituições e pesquisadores. David tornou-se Membro Honorário do Scotland’s Rural College (SRUC) pelo papel pioneiro na inovação e sustentabilidade. A SRUC participa do projeto europeu Transform Dairy Net, envolvendo 26 parceiros e 11 centros de inovação liderados por agricultores para estudar sistemas de produção leiteira com foco em bem-estar e eficiência.
A cientista Dra. Holly Ferguson, especialista em produção leiteira de precisão, destacou em informações divulgadas pela instituição que cresce o interesse de produtores pelo modelo e pelo aprendizado sobre seus desafios e vantagens. Ela considera que agricultores pioneiros, como Finlay, ajudam a construir caminhos seguros para quem deseja adotar práticas mais naturais.
A história de transformação na fazenda também ganhou as telas. O documentário “A Dairy Story”, dirigido por Ian Findlay, registrou todo o processo — da transição difícil ao amadurecimento do sistema. O filme ganhou ainda mais significado após a morte de Wilma Finlay, em março de 2025, vítima de câncer.
Finlay relata que sente profundamente o fato de a esposa não ter visto o sucesso do projeto nem o impacto do documentário. Mas afirma que o funcionamento eficiente do sistema e o bem-estar dos animais são prova viva do legado dela.
“Encontramos uma forma de produzir leite que é melhor para os animais, para os funcionários e para o negócio”, declarou ele em informações divulgadas à imprensa rural escocesa. Para o produtor, o método se tornou mais do que uma inovação: tornou-se um tributo à visão e ao questionamento que mudaram sua fazenda para sempre.
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