Instalação na França cria 10 bilhões de larvas para transformar desperdício em proteína, óleo e fertilizante — mas setor ainda enfrenta barreiras econômicas e regulatórias.
A transição para cadeias alimentares mais sustentáveis ganhou um experimento em escala industrial na pequena Nesle, no norte da França. Ali, a Innovafeed opera a maior fazenda de insetos do planeta, onde cerca de 10 bilhões de larvas da mosca-soldado-negra transformam diariamente resíduos agroindustriais em proteína para ração animal, óleo e fertilizante. O objetivo é atacar duas frentes sensíveis do agronegócio moderno: reduzir o desperdício de alimentos e diminuir a dependência de ingredientes convencionais como soja e farinha de peixe.
A unidade da Innovafeed processa dezenas de milhares de toneladas de resíduos alimentares industriais por ano. O material é servido às larvas de Hermetia illucens, espécie conhecida por sua alta taxa de conversão biológica: em 14 dias, cada larva cresce até 10.000 vezes o seu tamanho, transformando restos orgânicos em biomassa proteica de alto valor.
Os produtos resultantes seguem principalmente três destinos:
- Proteína em pó — usada em rações para gado, peixes e pets
- Óleo de inseto — aplicado em formulações de ração
- Fertilizante orgânico — devolvido ao campo fechando o ciclo da economia circular
A aposta na proteína de insetos ganhou força à medida que cresce a pressão para substituir insumos que provocam impactos ambientais relevantes. A soja está associada ao desmatamento, especialmente no Cerrado e na Amazônia, enquanto a farinha de peixe depende de pesca predatória, que afeta ecossistemas marinhos.
Insetos, por outro lado:
- Podem ser criados sobre fluxos de resíduos, sem demandar áreas agrícolas adicionais
- Consomem pouca água, usam menos energia e geram menor emissão de gases
- Fecham ciclos de nutrientes, alinhados a metas de economia circular
Quando produzidos junto a fontes de calor e resíduos, como é o caso de Nesle, o modelo reduz drasticamente emissões e descarte, atuando em duas pontas do problema ambiental.
Apesar do potencial, a indústria ainda não rompeu a barreira da viabilidade plena. A Innovafeed, assim como outras empresas do setor, ainda não é lucrativa. Custos tecnológicos elevados, marcos regulatórios lentos e resistência dos compradores tradicionais de ração dificultam a expansão.
Mesmo assim, o movimento avança:
- Parcerias com ADM e Cargill devem levar o modelo aos EUA, começando por Decatur (Illinois)
- Novos locais estão sendo avaliados na Europa e América do Norte, próximos a fontes de calor e resíduos
- Concorrentes como a Protix recebem apoio da Tyson Foods, sinalizando maturação do mercado
Para sair do “laboratório industrial” e ganhar escala mundial, analistas apontam dois pontos decisivos: aprovação regulatória em massa e adoção nos formuladores de ração tradicionais. Caso isso ocorra, a proteína de insetos poderá deixar de ser vista como aposta futurista e se tornar uma ferramenta concreta contra perdas na cadeia do alimento e contra pressões ambientais das proteínas convencionais.
A Innovafeed projeta produzir mais de 10 mil toneladas de proteína por ano, num modelo que — se comprovada sua escalabilidade — pode reposicionar insetos e larvas como elo central de um sistema alimentar menos destrutivo e mais eficiente.
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