
Assim como aconteceu no Brasil com a “Fazendas Reunidas Boi Gordo”, a promessa de lucro certo no agronegócio termina em rombo bilionário e “gado invisível” assombra investidores após o sumiço de R$ 1,98 bilhão no que ficou conhecido como “Golpe do Boi”
O que parecia um investimento seguro, atrelado à tradição pecuária do Uruguai, se transformou em um pesadelo para milhares de pessoas. Mais de 6 mil investidores perderam cerca de R$ 1,98 bilhão (ou US$ 350 milhões) no chamado “Golpe do Boi”, escândalo que envolve vacas que não existem, retornos irreais e três empresas agora sob investigação por fraude.
O esquema foi liderado por três empresas: Conexión Ganadera, República Ganadera e Grupo Larrarte, que prometeram lucros de até 10% ao ano em dólares a investidores que comprassem “títulos de gado”. A ideia era simples e atrativa: o investidor urbano financiava a compra de bois, que seriam criados e vendidos pelas empresas, gerando lucros previsíveis.
A Conexión Ganadera, criada em 1999 pelas famílias Carrasco e Basso, cresceu exponencialmente entre 2015 e 2020, chegando a administrar mais de 800 mil bovinos, segundo alegações da empresa. Só que, como ficou demonstrado posteriormente, apenas cerca de 70 a 80 mil animais realmente existiam.
O desespero das vítimas e a descoberta das “vacas fantasmas”
A contadora Sandra Palleiro, de 60 anos, viajou 600 km de Montevidéu até a região de Artigas, na esperança de encontrar 61 vacas que, segundo documentos oficiais, lhe pertenciam. Usando o celular para ampliar os números nas orelhas dos animais, percebeu que nenhum batia com seus registros. “É como cair em um pesadelo”, disse à reportagem da Forbes.
Esse sentimento se espalha por milhares. Desde médicos e padres até políticos e apresentadores de rádio figuram entre os lesados. Um dos casos emblemáticos é o do cardiologista Oscar Spalter, que perdeu mais da metade de suas economias ao investir na Conexión Ganadera.
O colapso do sistema
O esquema começou a ruir após o acidente fatal com Gustavo Basso, um dos coproprietários da Conexión, que dirigia um Tesla a 211 km/h e morreu em uma colisão. Pouco depois, a empresa admitiu um rombo de US$ 250 milhões e atrasos nos pagamentos começaram a se tornar frequentes.
Entre os fatores que agravaram a crise estavam a seca histórica de 2022-2023, o aumento das taxas de juros globais e contratos de arrendamento caros, que tornavam a operação insustentável. Segundo o contador externo da Conexión, o modelo, que no início era viável, acabou se tornando um clássico esquema Ponzi.
Investigações em curso sobre o “Golpe do Boi” e impacto no setor
Desde 2018, o Banco Central do Uruguai já havia iniciado 11 investigações contra as empresas, mas a falta de ação regulatória efetiva permitiu que o golpe se expandisse. Agora, a Promotoria de Crimes de Lavagem de Dinheiro conduz as apurações, e um administrador de falências tenta avaliar os ativos disponíveis.
O escândalo deixou feridas profundas na reputação do setor agropecuário uruguaio. O país, com 3,4 milhões de habitantes e 12 milhões de cabeças de gado, sempre foi modelo em rastreabilidade bovina. Mas o caso revelou falhas graves no controle e fiscalização, já que os papéis dos investidores ostentavam o brasão do Ministério da Agricultura, mesmo que o gado não existisse.
Para o economista Pablo Rosselli, da consultoria Exante, é urgente criar marcos regulatórios para investimentos financeiros ligados ao agronegócio, especialmente quando envolvem o pequeno investidor varejista.
Reflexos regionais
O escândalo não se limita ao Uruguai. A história tem provocado alerta em países vizinhos como Brasil, Argentina e Colômbia, onde esquemas de investimento em gado também são comuns, alguns legítimos, outros nem tanto.
O “Golpe do Boi” revela como até mesmo setores historicamente sólidos e confiáveis, como a pecuária uruguaia, podem ser usados como fachada para fraudes bilionárias. O episódio deixa um alerta para investidores e reguladores: sem transparência, fiscalização eficaz e educação financeira, promessas de lucros fáceis podem terminar em tragédia.
E, como resume a própria Sandra Palleiro: “Eu só queria ver minhas vacas. Agora, nem sei se elas existiram algum dia.”
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