
Operação “Tropilha” expõe rede de falsificação que movimentou esquema que “esquentou” 14 mil bois e cavalos sem origem e ameaça a credibilidade do setor pecuário gaúcho
A Polícia Civil do Rio Grande do Sul deflagrou, na última terça-feira (9), a operação “Tropilha”, que revelou um dos maiores esquemas de fraude envolvendo a pecuária no estado. A investigação aponta que, ao longo de 17 anos, cerca de 13 mil cavalos e 800 bovinos sem procedência teriam sido “esquentados” por meio da falsificação de documentos oficiais, como Guias de Trânsito Animal (GTAs) e exames sanitários obrigatórios. Veja como funcionava a rede de falsificação que movimentou venda de 14 mil bois e cavalos sem origem e ameaça a credibilidade do setor pecuário gaúcho.
O golpe, que já é chamado nos bastidores de “esquema dos cavalos de papel”, teria dado falsa origem a animais roubados, contrabandeados ou simplesmente inexistentes, mascarando sua circulação até chegar a frigoríficos. O caso levanta não apenas questões criminais, mas também preocupações sanitárias e de credibilidade para a cadeia produtiva da carne.
Como funcionava a fraude no esquema que “esquentou” 14 mil bois e cavalos sem origem
Segundo a delegada Graciela Chagas, responsável pelo inquérito em Arroio do Tigre, o esquema era sofisticado e se aproveitava de brechas no sistema da Secretaria da Agricultura. Entre as práticas identificadas estão:
- Animais mortos “ressuscitados” nos registros para justificar movimentações;
- Éguas que davam cria e, em minutos, os potros viravam adultos aptos para o abate;
- Percursos de 500 quilômetros realizados em apenas sete minutos, segundo os documentos;
- Multiplicação de rebanhos inexistentes em propriedades para gerar saldo de animais fictícios;
- Exames de doenças adulterados, usados para garantir a falsa sanidade dos lotes.
O servidor da Inspetoria Veterinária de Arroio do Tigre, Gilson Dutra de Oliveira, é apontado como peça-chave. Em 2023, sua senha no sistema foi bloqueada após denúncias de irregularidades, mas ele teria continuado atuando com credenciais emprestadas de colegas até ser afastado.
Produtores usados como “laranjas”
Um dos aspectos mais graves do esquema foi o uso indevido de registros de produtores rurais sem que eles soubessem. A Polícia Civil calcula que cerca de 150 criadores foram usados como laranjas.
O agricultor Everaldo Vieira, de Viamão, descobriu que seu nome estava em uma guia de gado emitida em 2023, embora nunca tivesse feito a transação. Já o construtor Avelino Pruch de Jesus, que deixou de criar cavalos há mais de dez anos, teve seu nome usado para justificar o transporte de oito equinos para cidades que sequer conhece. “No papel consta que eu transportei oito cavalos para Arroio do Tigre. Eu nunca estive lá”, relatou.
Frigoríficos e compradores envolvidos
A investigação identificou que os documentos falsificados eram usados para repassar animais principalmente ao frigorífico Foresta, em São Gabriel. Segundo a polícia, o abatedouro não tinha conhecimento da fraude, mas acabou comprando animais com documentação adulterada.
Entre os suspeitos de adquirir e revender animais “esquentados” estão o advogado Eloi Irigaray, de Santa Maria — candidato a vereador em 2024 pelo PSD, não eleito —, e seu filho, Pablo Irigaray. Ambos tiveram propriedades alvo de busca e apreensão.
Linha do tempo do caso
- 2023 – Produtores denunciam à Secretaria da Agricultura movimentações estranhas em seus registros.
- 2023 – Servidor Gilson Dutra de Oliveira tem a senha bloqueada, mas segue operando com credenciais de colegas.
- 2024 – Processo administrativo é instaurado, e criadores prejudicados são orientados a registrar ocorrência na Polícia Civil.
- 9 de setembro de 2025 – Polícia Civil deflagra a operação “Tropilha”, cumpre oito mandados de busca e apreensão e revela a dimensão da fraude.
Entenda os documentos que foram fraudados
O que são GTAs?
As Guias de Trânsito Animal (GTAs) são documentos oficiais emitidos pela Secretaria da Agricultura que autorizam o transporte de animais entre propriedades, municípios e estados. Elas funcionam como uma espécie de “passaporte” para cavalos, bois e outros rebanhos, permitindo rastrear a movimentação e garantir que apenas animais com origem comprovada circulem.
- Obrigatória para qualquer deslocamento, seja para feiras, leilões, frigoríficos ou até para reprodução.
- Sem a GTA, o transporte de animais é considerado irregular.
Exames obrigatórios
Antes da emissão da GTA, animais precisam passar por exames sanitários, que atestam a ausência de doenças como:
- Anemia Infecciosa Equina (AIE), no caso dos cavalos;
- Mormo, também em equinos, uma zoonose perigosa que pode ser transmitida ao ser humano;
- Brucelose e Tuberculose, em bovinos, que comprometem a saúde do rebanho e a qualidade da carne.
A adulteração desses exames, como revelou a investigação, coloca em risco a saúde pública, já que animais potencialmente doentes poderiam ter sido destinados ao consumo.
Por que a fraude é tão grave?
- Risco sanitário: carne e derivados sem controle adequado podem transmitir doenças.
- Impacto econômico: fraudes minam a confiança no setor pecuário, afetando exportações e preços.
- Concorrência desleal: produtores sérios, que cumprem todas as exigências, acabam prejudicados por quem age fora da lei.
- Crime organizado: a fraude se estendeu por quase duas décadas, movimentando milhares de animais sem procedência.
O que está em jogo com o esquema que “esquentou” 14 mil bois e cavalos sem origem
Além da fraude econômica, o caso preocupa pelo risco sanitário, já que exames adulterados podem ter colocado em circulação carne sem o devido controle de qualidade. Para o setor pecuário gaúcho, que busca cada vez mais ampliar sua participação em mercados internacionais, a denúncia pode trazer repercussões na imagem e na confiabilidade da produção local.
A Polícia Civil segue colhendo depoimentos e analisando documentos. Novos desdobramentos são esperados, já que a estimativa é de que milhares de transações fraudulentas tenham sido feitas ao longo de quase duas décadas.
Com informações da RBS TV e Polícia Civil do Rio Grande do Sul
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