Golpe milionário com ‘vaca virtual’ abala um dos maiores produtores de gado do mundo

Fraude milionária enganou mais de 4 mil pessoas, com promessas de retorno de até 20% ao ano em dólares, mas grande parte das vacas nunca existiu. Entenda como o golpe milionário da ‘vaca virtual’ está abalando o Uruguai, um dos maiores produtores de gado do mundo

Um dos maiores escândalos financeiros da história do Uruguai expôs não só a fragilidade do sistema de controle agropecuário no país, mas também os perigos ocultos por trás de investimentos alternativos com promessas de lucros garantidos. A empresa Conexión Ganadera, que atuava desde 1999 oferecendo investimentos em pecuária com altos retornos, virou símbolo de um esquema bilionário baseado em “gado virtual”, deixando milhares de investidores no prejuízo e abalando a reputação internacional do setor.

A Conexión Ganadera atraía investidores — em sua maioria uruguaios e argentinos — com a proposta de um modelo inovador: o dinheiro aplicado era convertido em vacas que seriam entregues a produtores rurais para engorda e posterior venda, gerando lucros para ambas as partes. Os rendimentos oferecidos variavam entre 7% e 20% ao ano em dólares, dependendo do prazo e do valor investido.

O negócio parecia seguro, ainda mais em um país com 11,3 milhões de cabeças de gado para 3,4 milhões de habitantes — a maior proporção de bovinos per capita do mundo. A transparência prometida vinha acompanhada de um suposto sistema de rastreamento animal de excelência, com uso de tags eletrônicas e registros no Ministério da Pecuária. Mas a realidade era outra.

A revelação da fraude

Segundo revelou a reportagem da BBC News Mundo, as vacas simplesmente não existiam em grande parte dos contratos. “Era gado virtual, não existia”, disse Felipe Caorsi, consultor financeiro que investigou o caso. As tags de identificação, que deveriam estar nas orelhas dos animais, foram encontradas ainda guardadas em caixas, e os registros oficiais eram manipulados com base em declarações juramentadas falsificadas.

Em janeiro de 2025, a Conexión Ganadera anunciou que não conseguiria pagar os 4.300 investidores, que aplicaram cerca de US$ 400 milhões (mais de R$ 2 bilhões). A empresa possuía apenas US$ 150 milhões em ativos. Segundo um contador contratado pela própria companhia, o negócio, que pode ter começado de forma legítima, se transformou em um clássico esquema Ponzi — onde os pagamentos aos antigos investidores dependiam da entrada de novos aportes.

Tragédia, suicídio e desespero do fundador da golpe milionário da ‘vaca virtual’

A crise financeira culminou em um episódio trágico. Gustavo Basso, um dos fundadores da empresa, morreu ao colidir seu Tesla a 211 km/h contra maquinários rodoviários, em um acidente que a promotoria classificou como suicídio voluntário. Basso era acusado de ser o cérebro por trás do desvio de recursos.

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Foto: Divulgação

O sócio remanescente, Pablo Carrasco — figura pública no país e ex-comentarista de rádio — tentou se isentar de responsabilidade, afirmando que cuidava apenas da parte técnica da pecuária. Mas as vítimas não se convenceram, e os processos judiciais se multiplicam.

Um dos investidores, Martín Fablet, conhecido comunicador uruguaio, perdeu mais de R$ 1,5 milhão e relatou à BBC que outros lesados chegaram a ameaçar suicídio caso não recuperem seus recursos. “Isso me dá medo”, declarou.

Consequências e impacto internacional

A investigação revelou que cerca de 75% dos investidores nunca tiveram uma única vaca real associada ao seu nome. O dinheiro era redirecionado para frigoríficos, compra de imóveis, carros de luxo e contas em paraísos fiscais, como Andorra. De acordo com o El País e informações confirmadas pela BBC, mais de 30 empresas-satélite foram usadas para movimentar os recursos, dificultando o rastreamento.

Segundo o advogado Ignacio Durán, que representa parte das vítimas, há indícios de que parte do dinheiro desviado ainda esteja em contas internacionais, não declaradas nos ativos da empresa.

O escândalo ultrapassou fronteiras. Como destacou o Estado de Minas, o caso virou um alerta global sobre os riscos dos investimentos alternativos no agronegócio, com entidades reguladoras no Brasil, Argentina e outros países revisando suas regras para prevenir fraudes semelhantes.

Foto: Divulgação

Cinco lições para evitar cair em golpes no agro

A reportagem do Estado de Minas também listou dicas fundamentais para investidores evitarem fraudes semelhantes:

  1. Desconfie de promessas de lucros acima da média;
  2. Exija provas da existência real dos ativos;
  3. Pesquise o histórico da empresa e seus gestores;
  4. Evite decisões impulsivas sob pressão;
  5. Verifique se há auditoria e supervisão externa nos contratos e operações.

Um golpe que marcou o país do boi, o Uruguai

Apesar de seu sistema de rastreabilidade ser considerado modelo — com marcação dupla por tags, QR Codes e registros no Ministério da Pecuária —, o Uruguai falhou em sua missão de garantir que cada vaca fosse de fato uma vaca real.

“O país se gabava de um sistema único no mundo, mas o que se revelou foi uma engenharia de papel”, concluiu a BBC News Mundo em sua análise.

A mancha deixada por este escândalo compromete não apenas a confiança no sistema pecuário uruguaio, mas também a credibilidade do agronegócio como segmento de investimento seguro. E enquanto muitos ainda esperam por justiça — e por parte do dinheiro de volta —, o caso da “vaca virtual” entra para a história como um dos mais sofisticados e devastadores golpes financeiros do agro.

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