
Técnica ICSI permite fecundar óvulos com um único espermatozoide, ampliando as possibilidades genéticas e reprodutivas da equinocultura moderna
A reprodução de equinos, uma das áreas mais nobres e tecnicamente desafiadoras da medicina veterinária, tem passado por uma verdadeira revolução silenciosa nas últimas décadas. No centro dessa transformação está a ICSI – Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoide, uma biotecnologia que permite fecundar um óvulo diretamente com um único espermatozoide, abrindo novas fronteiras para a reprodução assistida em cavalos de alto valor genético.
Desenvolvida originalmente na década de 1990, a técnica é hoje considerada o método mais eficiente para a produção in vitro de embriões (PIVE) em equinos, superando as barreiras que impediram o sucesso da fertilização in vitro (FIV) tradicional nessa espécie. No Brasil, o uso comercial da ICSI vem crescendo rapidamente, impulsionado por avanços laboratoriais, pela demanda de criadores e pelo trabalho de empresas especializadas em biotecnologia reprodutiva.
O que é ICSI e como ela funciona
A ICSI consiste na injeção direta de um espermatozoide dentro do ooplasma de um oócito maduro, utilizando equipamentos de micromanipulação de alta precisão. O processo exige uma série de etapas complexas e integradas: desde a aspiração folicular transvaginal guiada por ultrassom (OPU), passando pela maturação in vitro dos oócitos, até a injeção intracitoplasmática, o cultivo embrionário e a transferência dos embriões para éguas receptoras.
Essa sequência requer um ambiente rigorosamente controlado, livre de contaminantes, com manutenção precisa da temperatura e da qualidade dos meios de cultura. Pequenas variações podem comprometer o sucesso da técnica.
Segundo Tairini Érica da Cruz, autora do trabalho “Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoide em Equinos” (UNESP – Araçatuba, 2014), a ICSI “promove resultados favoráveis à evolução da reprodução assistida”, permitindo inclusive o uso de sêmen de baixa qualidade ou de garanhões com fertilidade reduzida. “O oócito equino tolera o estresse de injeção mecânica de espermatozoides, apresentando grande viabilidade técnica”, ressalta a pesquisadora.
Por que a FIV tradicional não funciona bem em cavalos
Em entrevista ao AGRO360 Podcast, o veterinário Daniel Pasquini, diretor internacional da Botupharma e especialista em reprodução equina, explicou as diferenças entre a FIV e a ICSI — e por que esta última se tornou indispensável no setor.
“Podia se dizer que é o mesmo processo da FIV no gado? Não. Inclusive a ICSI se desenvolveu porque a FIV não foi possível no cavalo”, explica Pasquini. “Na FIV, os óvulos e espermatozoides são colocados juntos num tubo, e ocorre a fecundação natural. Mas no cavalo, isso não funciona, pois o espermatozoide do garanhão não se capacita adequadamente in vitro.”
Segundo o veterinário, a técnica ICSI contorna esse problema ao injetar o espermatozoide diretamente dentro do óvulo, sem depender dos processos naturais de ligação e fusão das membranas. “A ICSI é, literalmente, a injeção intracitoplasmática de um espermatozoide dentro do óvulo. Depois disso, o embrião começa seu desenvolvimento, e pode ser congelado ou transferido para uma receptora”, detalha.

Um salto tecnológico para a equinocultura
De acordo com o estudo de Tairini da Cruz, os primeiros trabalhos científicos com a ICSI em equinos datam de meados dos anos 1990. Em 1996, o pesquisador Edward Squires obteve a primeira gestação bem-sucedida a partir de oócitos maturados in vitro, marco que consolidou o uso da técnica.
Desde então, laboratórios em países como Itália, Estados Unidos e Brasil vêm aprimorando protocolos e meios de cultivo. Trabalhos de referência, como os de Galli, Choi e Hinrichs, relatam taxas de clivagem embrionária superiores a 80% e desenvolvimento de blastocistos em até 38% dos casos — resultados considerados expressivos em reprodução assistida equina.
No Brasil, centros de reprodução em estados como São Paulo, Paraná e Minas Gerais já aplicam rotineiramente a ICSI em programas comerciais, especialmente voltados para garanhões de genética valiosa e éguas doadoras de alto desempenho esportivo. A técnica também tem sido utilizada para preservação de raças raras e recuperação de material genético de animais que morreram prematuramente.
Vantagens práticas da técnica
Entre os principais benefícios da ICSI, destacam-se:
- Uso de sêmen congelado ou de baixa motilidade, inclusive de garanhões subférteis;
- Maior controle sobre o processo de fecundação, com seleção microscópica de um único espermatozoide;
- Possibilidade de produção de embriões a partir de poucas células germinativas, reduzindo desperdícios;
- Viabilidade comercial, com altos índices de clivagem e taxa de prenhez comparável a métodos tradicionais.
Além disso, como ressaltou Tairini em seu estudo, a técnica evita diversas etapas fisiológicas da fecundação natural — como a ligação à zona pelúcida e a reação acrossomal —, o que reduz as falhas de penetração e aumenta as chances de sucesso.
Desafios e limitações
Apesar dos avanços, a ICSI ainda enfrenta obstáculos práticos e científicos. Fatores como a idade da égua doadora, a qualidade do oócito, as condições de transporte e a sincronia hormonal das receptoras podem afetar significativamente os resultados.
Outro ponto crítico é o custo operacional. O procedimento exige infraestrutura laboratorial de alto padrão, profissionais especializados e equipamentos de micromanipulação com tecnologia piezoelétrica, que garantem a precisão da injeção. Por isso, o investimento inicial é elevado, embora o retorno genético compense a longo prazo.
“É uma técnica complexa, mas hoje é a mais moderna e eficaz disponível para equinos”, destacou Daniel Pasquini no AGRO360 Podcast. “Nos últimos cinco anos, a ICSI deixou de ser experimental e se tornou comercial.”
O futuro da reprodução equina
A literatura científica indica que a ICSI não apenas superou a limitação da FIV em equinos, como abriu caminho para novas aplicações biotecnológicas, como a clonagem e o uso de células-tronco embrionárias. Pesquisas recentes buscam otimizar o ambiente de cultivo embrionário, melhorar a criopreservação e reduzir perdas no transporte de material genético.
Tairini Érica da Cruz conclui em seu estudo que a ICSI “pode ser utilizada para aumentar o potencial reprodutivo de éguas valiosas e preservar raças ameaçadas de extinção”, ressaltando a importância de mais investimento em pesquisa nacional. “Apesar de ser uma técnica nova, o Brasil tem condições de se destacar nesse campo com infraestrutura e capacitação adequadas.
A Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoide (ICSI) consolidou-se como uma das maiores inovações da reprodução animal moderna. Com resultados cada vez mais consistentes e aplicação crescente no país, ela redefine os limites da reprodução equina, aliando ciência, tecnologia e genética de ponta em prol da eficiência produtiva e da preservação das melhores linhagens do cavalo brasileiro.
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