Relatório apresentado em audiência pública revela expansão acelerada da espécie invasora – javalis, prejuízos milionários à agricultura e riscos sanitários que envolvem doenças de alto impacto para suínos, rebanhos e seres humanos.
Roraima vive uma das mais graves crises envolvendo espécies invasoras já registradas na região Norte. Estimativas oficiais indicam que ao menos 20 mil javalis e javaporcos circulam atualmente pelos municípios de Amajari, Cantá, Bonfim, Alto Alegre e Boa Vista, colocando lavouras em risco, ampliando a pressão sanitária e exigindo ação imediata do poder público. As informações foram apresentadas pela Agência de Defesa Agropecuária do Estado (Aderr) durante audiência pública na Assembleia Legislativa, realizada em 29 de outubro.
A situação se agrava especialmente nas áreas de lavrado, onde se concentra a produção de milho e soja. Segundo a Aderr, pelo menos 15 grandes produtores já formalizaram pedidos de ajuda para conter a infestação. Pequenos agricultores também relatam perdas crescentes.
A presença dos javaporcos, híbridos resultantes do cruzamento entre javalis e porcos domésticos, torna o cenário ainda mais crítico, já que esses animais apresentam maior resistência, capacidade de adaptação e agressividade.
Origem da invasão e avanço descontrolado
De acordo com a Aderr, a chegada dos javalis a Roraima ocorreu por volta de 2012, quando animais escaparam de criadouros particulares e passaram a se reproduzir de forma desordenada. O resultado foi a formação dos javaporcos — considerados ainda mais destrutivos.
A espécie possui altíssima taxa reprodutiva, chegando a duas ninhadas por ano, com até dez filhotes em cada. Adaptam-se com facilidade, deslocam-se por grandes distâncias e encontram no lavrado — com buritizais e igarapés — o ambiente ideal para a proliferação.
“Com o crescimento da agricultura e o aumento da oferta de alimento, essa população tende a se multiplicar ainda mais”, alertou Murilo Roberto Borges, chefe do Programa de Sanidade Suína da Aderr.
Riscos sanitários: doenças de grande impacto e ameaça ao agronegócio
O avanço dos javalis não representa apenas perda agrícola — trata-se de uma ameaça sanitária para todo o estado. Os animais podem transmitir peste suína clássica, peste suína africana, febre aftosa, doença de Aujeszky, brucelose, leptospirose e até raiva.
Essas enfermidades têm potencial de comprometer a economia agropecuária local, causar restrições comerciais e afetar inclusive a segurança alimentar.
A pesquisadora Virgínia Silva, da Embrapa, reforçou que o javali está entre as 100 piores espécies exóticas invasoras do mundo e que já há registros em mais de 10 mil municípios brasileiros. Ela destacou que o manejo deve ser técnico e integrado, rejeitando a ideia de caça recreativa.
“O manejo deve ser incorporado aos protocolos de biossegurança da pecuária, sempre com observância das questões sanitárias e éticas”, afirmou.
Produtores relatam prejuízos crescentes: “Em uma noite, destroem uma plantação inteira”
Durante a audiência, produtores rurais relataram perdas milionárias causadas pela invasão. O agricultor Smith Rodrigues, de 34 anos, descreveu a dificuldade enfrentada em sua propriedade, onde cultiva milho, mandioca e soja:
“Eles aparecem em bando e, em uma noite, conseguem destruir uma plantação inteira. Nada segura esses bichos.”
Sem apoio e sem orientação sobre manejo, produtores afirmam que o problema se agravou nos últimos anos. Cercas, espantalhos e outras estratégias improvisadas não têm surtido efeito diante da inteligência, força física e rápido deslocamento dos animais.
Especialistas defendem política pública urgente e manejo integrado contra avanço dos javalis
Para o biólogo Rogério Fonseca, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), o país falhou em implementar políticas de controle de espécies invasoras.
“Se a política de fauna silvestre aprovada em 2006 tivesse sido aplicada, já teríamos hoje uma base sólida para conter o avanço dos javalis”, afirmou.
O deputado Armando Neto (PL) reforçou que a situação exige urgência, defendendo medidas que garantam segurança à produção rural e à saúde pública.
O que pode ser feito agora?
As recomendações apresentadas durante a audiência incluem:
- Manejo técnico controlado, com autorização do Ibama;
- Cadastro de controladores e produtores, para padronizar procedimentos;
- Monitoramento contínuo por parte da Aderr e dos órgãos ambientais;
- Registro oficial de avistamentos, para mapear rotas e áreas críticas;
- Integração entre órgãos estaduais e federais para uma política de longo prazo.
A invasão dos 20 mil javalis em Roraima já deixou de ser um alerta e tornou-se uma ameaça concreta ao agronegócio, à fauna, à saúde pública e ao equilíbrio ambiental. Sem ação coordenada e imediata, a expansão continuará, ampliando prejuízos e abrindo brechas para crises sanitárias de grandes proporções.
Roraima, assim como outros estados brasileiros, enfrenta agora o desafio de transformar um problema negligenciado por anos em uma prioridade de Estado — antes que a situação se torne irreversível.
Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias.