
Com população reduzida em 94% nas últimas décadas, o jumento nordestino luta para sobreviver diante do abate ilegal. Iniciativas buscam reverter o cenário e preservar um dos maiores símbolos culturais do Brasil.
Uma mobilização nacional vem ganhando força em defesa de um dos maiores símbolos da cultura nordestina: o jumento brasileiro. Tradicionalmente associado à força, resistência e importância social nas comunidades rurais, o animal está à beira da extinção, e o país agora enfrenta uma verdadeira corrida contra o tempo para salvá-lo.
Dados recentes apontam um declínio de 94% na população de jumentos entre 1999 e 2024, um número alarmante que revela o desaparecimento acelerado de uma espécie profundamente enraizada na identidade brasileira. Enquanto em 1999 o país registrava cerca de 1,37 milhão de jumentos, hoje restam pouco mais de 78 mil exemplares.
O principal fator por trás dessa crise é o abate em larga escala de jumentos para atender à demanda chinesa por colágeno extraído de sua pele, utilizado na produção de uma gelatina medicinal conhecida como ejiao. Esse produto movimenta bilhões de dólares no mercado internacional e levou à exploração indiscriminada da espécie em países da África e da América Latina, o Brasil entre eles.
Além do comércio internacional, o avanço da mecanização agrícola reduziu drasticamente o uso do jumento em atividades de tração e transporte, diminuindo seu valor econômico nas pequenas propriedades. Somado a isso, há um estigma social crescente: o animal passou a ser visto como obsoleto, sendo abandonado e condenado à fome em várias regiões rurais.
Especialistas alertam que, se nada for feito, o jumento poderá desaparecer completamente do território brasileiro até 2030. A extinção da espécie representaria não apenas uma perda ambiental, mas também um golpe profundo na cultura do Nordeste, onde o jumento é símbolo de resistência e identidade popular, presente em músicas, poesias, esculturas e no cotidiano sertanejo.
Além disso, raças específicas e geneticamente valiosas correm o risco de desaparecer, eliminando séculos de adaptação biológica ao clima árido e à realidade do semiárido brasileiro.
Diante da gravidade da situação, instituições públicas, cientistas e organizações civis têm se mobilizado em defesa da espécie.
Entre as principais medidas estão:
- Campanhas de conscientização, como a “Pare o Abate”, que buscam sensibilizar a sociedade e pressionar o poder público para adotar políticas de proteção.
- Projetos de lei em tramitação, como o PL 2.387/2022, no Congresso Nacional, e o PL 24.465/2022, na Assembleia Legislativa da Bahia, que propõem a proibição do abate de jumentos em todo o país.
- Iniciativas de conservação e valorização, com propostas de criação de santuários de proteção, programas de reintrodução dos animais em atividades de jumentoterapia e agricultura familiar, além de ações educativas para restaurar o valor simbólico e econômico do animal.
Uma das iniciativas mais promissoras vem da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que desenvolve o projeto “Colágeno de Jumento por Fermentação de Precisão”. A proposta, que já recebeu investimentos de cerca de R$ 250 mil, busca produzir colágeno em laboratório, por meio de técnicas biotecnológicas que eliminam a necessidade de abater os animais.
Segundo os pesquisadores envolvidos, o objetivo é oferecer uma alternativa sustentável à indústria farmacêutica e cosmética, protegendo a espécie e mostrando que é possível conciliar inovação com ética e conservação.
O jumento é muito mais do que um animal de carga, é um patrimônio vivo do Nordeste brasileiro e parte essencial da história do país. Salvá-lo da extinção é preservar não apenas uma espécie, mas um legado de resistência, cultura e identidade.
Se a sociedade e as autoridades não agirem rapidamente, o som característico do jumento pode emudecer de forma definitiva, deixando uma lacuna irreparável na memória e na alma do povo sertanejo.
Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias.