Leite de vaca não é inflamatório: É o que diz a ciência

A crença de que o leite causa inflamação se disseminou nos últimos anos, sustentada por interpretações equivocadas de processos fisiológicos e por teorias que misturam biologia com ideologia alimentar

Enquanto crescem os discursos nas redes sociais demonizando alimentos tradicionais como o leite de vaca, a ciência brasileira responde com firmeza: não há qualquer evidência de que o leite seja inflamatório para pessoas saudáveis.

Essa é uma das conclusões mais contundentes do Consenso publicado pela ABRAN e pela SBAN, que reuniu um grupo técnico de especialistas em nutrologia, alimentação e saúde pública. O objetivo: revisar as melhores evidências disponíveis sobre o leite de vaca e esclarecer, de forma definitiva, o papel que esse alimento ocupa na dieta humana.

O mito da inflamação: de onde vem?

A crença de que o leite causa inflamação se disseminou nos últimos anos, sustentada por interpretações equivocadas de processos fisiológicos e por teorias que misturam biologia com ideologia alimentar. A mais comum delas afirma que a caseína (principal proteína do leite) não seria digerida adequadamente e provocaria microlesões intestinais, resultando em uma inflamação crônica de baixo grau.

O consenso é categórico em refutar essa narrativa. As frações da caseína — α, β e κ — não apenas são perfeitamente digeridas em condições normais, como seus peptídeos derivados têm ação anti-inflamatória reconhecida, inclusive por meio da inibição de mediadores clássicos do processo inflamatório, como o fator NF-κβ.

O que a ciência realmente mostra

A análise de meta-análises e ensaios clínicos randomizados demonstra que, em indivíduos saudáveis — inclusive aqueles com sobrepeso, obesidade ou síndrome metabólica — o consumo de leite e derivados não provoca inflamação. Na verdade, os estudos revelam justamente o oposto.

Em uma meta-análise de 11 estudos clínicos com 663 adultos, a ingestão de laticínios foi associada à redução de marcadores inflamatórios, como:
• Proteína C reativa (PCR)
• TNF-α
• IL-6
• Proteína quimiotática de monócitos (MCP-1)

E, simultaneamente, observou-se um aumento da adiponectina, um hormônio anti-inflamatório e protetor cardiovascular.

Além disso, pesquisas com adolescentes saudáveis identificaram uma associação inversa entre o consumo de leite e os níveis de IL-6, outro biomarcador inflamatório amplamente estudado.

O leite é funcional — não inflamatório

O consenso também detalha como os componentes bioativos do leite contribuem para o controle da inflamação:

• Lactoferrina, whey protein, glicomacropeptídeo (GMP) e as caseínas atuam reduzindo espécies reativas de oxigênio (ERO) e bloqueando sinais pró-inflamatórios.
• Ácidos graxos de cadeia média e ramificada presentes no leite regulam genes ligados ao estresse oxidativo e ao sistema complemento.
• A microbiota intestinal é modulada positivamente por elementos do leite, como a lactose e os peptídeos bioativos, favorecendo a colonização por bifidobactérias — outro fator anti-inflamatório relevante.

Em resumo: o leite é um alimento com propriedades anti-inflamatórias documentadas e multifatoriais.

A única exceção: APLV

A única condição em que o leite pode desencadear uma resposta inflamatória é nos casos diagnosticados de Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV) — um distúrbio imunológico que não deve ser confundido com a intolerância à lactose.

Em indivíduos alérgicos, o consumo de leite pode sim provocar sintomas respiratórios e gastrointestinais, inclusive com risco de anafilaxia. Mas fora desses casos — que devem ser criteriosamente diagnosticados por médicos — não há justificativa para demonizar o leite com base em risco inflamatório.

Conclusão: leite, ciência e responsabilidade

O Consenso da ABRAN e da SBAN reforça que o leite de vaca é um alimento seguro, funcional, nutricionalmente denso e anti-inflamatório na maioria das pessoas. A retirada do leite da dieta por autodiagnóstico ou influência de desinformação pode resultar em deficiências nutricionais sérias e perdas de saúde pública.

Por isso, especialistas recomendam que o leite continue fazendo parte da alimentação ao longo de toda a vida, com suas versões adaptadas às necessidades de cada fase ou condição clínica.

Referência científica:

ABRAN & SBAN (2023) – Consenso sobre o consumo de leite de vaca pelo ser humano. Setembro de 2023. Disponível em: abrannutrologia.org.br

Por Verônika Slota | Jornalista especializada em leite e saúde humana

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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