
Diferentemente de outros mamíferos, os humanos mantiveram o hábito de consumir leite após o desmame graças à sua capacidade adaptativa
Durante anos, o leite de vaca vem sendo alvo de debates acalorados nas redes sociais, muitas vezes envolto em desinformação. Mas enquanto influenciadores eliminam laticínios das dietas com base em modismos, a ciência segue firme: o leite é, sim, um alimento adequado, seguro e funcional para o consumo humano ao longo de toda a vida.
Essa é a principal conclusão de um consenso publicado em 2024 por algumas das maiores autoridades em nutrologia do país, como a Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN) e a Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN). O documento foi elaborado para responder, com base em evidências científicas, às principais dúvidas sobre o consumo de leite de vaca, desde sua digestibilidade até seu papel na prevenção de doenças.
O leite é um alimento humano por excelência
Diferentemente de outros mamíferos, os humanos mantiveram o hábito de consumir leite após o desmame graças à sua capacidade adaptativa. Ao longo da evolução, desenvolvemos variantes genéticas que mantêm a produção de lactase (enzima que digere a lactose) e uma microbiota capaz de fermentar esse açúcar. Portanto, o leite é um alimento ao qual o ser humano se adaptou biologicamente.
Além disso, ele oferece nutrientes fundamentais em excelente proporção e biodisponibilidade. Um simples copo de leite (200 mL) contém cerca de 244 mg de cálcio e 6,4 g de proteína, cobrindo de 11 a 35% das necessidades diárias desses nutrientes, dependendo da idade e fase da vida.
Proteínas do leite: valor biológico máximo
As proteínas do leite — caseínas e proteínas do soro (whey) — são consideradas de altíssimo valor biológico. Elas contêm todos os aminoácidos essenciais em proporções ideais para o organismo, superando a maioria das fontes vegetais. Avaliadas por métodos internacionais como PDCAAS e DIAAS, as proteínas do leite atingem nota máxima de qualidade nutricional, comparável apenas à albumina do ovo.
A digestibilidade, a capacidade de saciar e o efeito funcional dessas proteínas também merecem destaque. Seus peptídeos bioativos têm ação:
• anti-hipertensiva,
• antidiabética,
• antioxidante,
• anti-inflamatória,
• antimicrobiana,
• e reguladora do apetite.
Esses efeitos são documentados em estudos clínicos e laboratoriais, especialmente relacionados à caseína, lactoferrina, α-lactoalbumina, β-lactoglobulina e componentes da gordura do leite como a MFGM (membrana do glóbulo de gordura do leite).
Cálcio: nenhum alimento substitui o leite
Embora alguns vegetais contenham cálcio, nenhum alimento natural oferece a combinação de quantidade, biodisponibilidade e praticidade que o leite possui. Sua taxa de absorção (acima de 30%) é muito superior à de alimentos como espinafre, couve ou feijão. Por isso, ele é considerado a principal fonte de cálcio da dieta humana e insubstituível na prevenção de doenças como osteopenia, osteoporose e raquitismo.
Durante a infância e adolescência, o leite é fundamental para o desenvolvimento ósseo e neurológico.
Na vida adulta, ajuda na prevenção da hipertensão, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.
Em idosos, combate a sarcopenia e protege a autonomia funcional, sendo ainda uma excelente opção para quem pratica atividades físicas regularmente.
O leite é inflamatório? A ciência diz que não
Um dos mitos mais difundidos sobre o leite é a ideia de que ele provoca inflamações.
Mas o consenso brasileiro é direto: não há qualquer evidência científica de que o leite cause processos inflamatórios em pessoas saudáveis. Pelo contrário, em muitos estudos, o consumo de leite foi associado à redução de marcadores inflamatórios, como a proteína C reativa (PCR), TNF-α e IL-6.
A única exceção é a alergia à proteína do leite de vaca (APLV) — uma condição diagnosticável, distinta da intolerância à lactose, e que afeta uma minoria da população. Nesses casos, o leite deve, sim, ser excluído da dieta.
Intolerância à lactose: é possível continuar tomando leite
Ao contrário do que muitos acreditam, o consumo de leite não aumenta o risco de desenvolver intolerância à lactose. Aliás, quanto mais leite se consome ao longo da vida, menor tende a ser o risco de intolerância — uma adaptação evolutiva já bem documentada.
Mesmo pessoas com diagnóstico de intolerância, segundo o estudo, geralmente toleram até 12 g de lactose por dia — o equivalente a um copo de leite. Para esses casos, há ainda alternativas como:
• leite sem lactose,
• enzima lactase em cápsulas,
• consumo fracionado ao longo do dia,
• e alimentos combinados com fibras ou gorduras para melhorar a digestão.
O que deve ser evitado é o autodiagnóstico e a retirada total de laticínios sem orientação, pois isso pode causar deficiências de cálcio, proteínas, vitaminas e outros micronutrientes essenciais.
Leite UHT é seguro e nutritivo
Outro alvo comum de críticas infundadas é o leite UHT (ultrapasteurizado). Mas, segundo o consenso, esse processo térmico garante segurança microbiológica sem prejuízo nutricional, mantendo a qualidade das proteínas, cálcio e vitaminas.
Além disso, o envase em embalagens assépticas elimina a necessidade de conservantes e permite armazenamento sem refrigeração, ampliando o acesso da população a um alimento seguro, estável e acessível.
Quando o leite deve ser recomendado?
A resposta é simples: em todas as fases da vida. Crianças, adolescentes, adultos, gestantes, praticantes de atividade física e idosos podem — e devem — incluir leite na rotina, desde que não haja contraindicação médica.
Guias alimentares nacionais e internacionais recomendam de duas a três porções de laticínios por dia, principalmente as versões com baixo teor de gordura para adultos e integrais para crianças e gestantes.
Segundo o consenso, o leite se destaca entre todos os alimentos pela sua densidade nutricional em relação ao custo, sendo uma das fontes de proteína e cálcio mais acessíveis da dieta. Em um país onde a deficiência de cálcio é uma realidade nutricional, retirar o leite da alimentação sem necessidade clínica é um erro com alto custo para a saúde pública.
Conclusão: quando o assunto é leite, a ciência já respondeu
Apesar das polêmicas, a ciência brasileira e internacional é clara: o leite é seguro, nutritivo, funcional e adequado ao consumo humano. A retirada indiscriminada do leite da dieta, sem orientação, representa um risco nutricional e compromete a prevenção de doenças ao longo da vida.
A recomendação dos especialistas é objetiva: confie na ciência, não nos modismos. Leite é alimento, é saúde e continua tendo papel central em uma alimentação equilibrada.
Fonte científica:
Nogueira-de-Almeida, C.A. et al. (2024). Consenso da Associação Brasileira de Nutrologia e da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição sobre o consumo de leite de vaca pelo ser humano. International Journal of Nutrology, vol. 17, e24302. https://doi.org/10.54448/ijn24302
VEJA MAIS:
- O que o agro brasileiro exporta para os Estados Unidos
- Como acertar na escolha da embocadura: conheça os tipos e materiais mais indicados
Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias.