Maior descarte de vacas na história trará consequências; boas ou ruins?

“Não se engane. Tempos interessantes teremos à frente”; afirmação é de especialista em pecuária de corte; Brasil atingiu o maior descarte de matrizes na história recente

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) trouxe um dado histórico que acendeu o sinal de alerta no setor pecuário: pela primeira vez desde o início da série histórica, em 1997, o número de fêmeas abatidas superou o de machos no Brasil.

O levantamento, referente ao 2º trimestre de 2025, mostra que foram abatidas 10,46 milhões de cabeças de bovinos, um crescimento de 3,9% frente ao mesmo período de 2024. Porém, o destaque ficou para a participação das fêmeas, que registraram alta de 16% no abate em relação ao ano anterior.

Entre as fêmeas, chama atenção a forte presença das novilhas, que representaram 33% do total. O aumento desse abate está ligado, sobretudo, à demanda de exportação, que absorve grande parte das carnes jovens por sua maciez e padrão de qualidade.

Mesmo em estados tradicionalmente fortes na pecuária, como o Mato Grosso, o número de fêmeas encaminhadas ao frigorífico foi maior do que no ano passado, mesmo com queda no volume geral de abates. O rebanho bovino do estado somou 32,16 milhões de cabeças em 2025, uma redução de 2,03% em relação ao ano anterior, segundo dados do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado (Indea) compilados pelo Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea).

O levantamento mostra que o intenso descarte de fêmeas afetou diretamente a composição do rebanho. O número de matrizes em idade reprodutiva (acima de 24 meses) caiu 3,43% em relação a 2024, marcando o terceiro ano consecutivo de queda. A pecuária de Mato Grosso, que tradicionalmente lidera a produção nacional, terá que lidar com os desafios de um cenário de baixa retenção de fêmeas, reposição reduzida e instabilidade nos preços do mercado.

O especialista em pecuária de corte, editor e fundador da Revista Carta Pecuária, Rogério Goulart, destacou essas informações no gráfico abaixo:

O especialista pede que os pecuaristas não se enganem, pois teremos tempos interessantes à frente.

O gráfico mostra o maior descarte de fêmeas na história recente do Brasil. Consequências: no curto prazo, aumento na oferta de carne, podendo pressionar preços para baixo. No longo prazo, redução no nascimento de bezerros, encolhimento do rebanho, escassez de oferta e alta nos preços da carne e do boi gordo, como visto em ciclos pecuários passados.

vaca novilha e bezerra nelore com brincos de identificacao - rastreabilidade fotao
Foto: Marcus Mesquita/Divulgação

O reflexo da redução das matrizes no plantel se dará, principalmente, nos próximos ciclos de produção. Com menos fêmeas em idade reprodutiva, a produção de bezerros será afetada, limitando a oferta futura de animais para engorda e, consequentemente, podendo pressionar os preços para cima no médio prazo.

O efeito sobre a disponibilidade de bezerros costuma aparecer com defasagem: uma vaca abatida deixa de gerar um bezerro por ano — e como nem todas as reposições são imediatas, a escassez se concentra nos três anos seguintes.

Relatórios técnicos e projeções de instituições preveem redução do efetivo total ainda este ano e um cenário de menor oferta de animais para recria e engorda, o que pressiona o preço do bezerro e reduz o volume direcionado a confinamentos e frigoríficos. Ou seja, mesmo que a produção de carne em toneladas mostre flutuações no curto prazo, o segmento de cria e recria já sente o choque que antecipará aumento de preços da categoria “bezerro” nos próximos meses e anos.

vacada nelore de cria com bezero ao pe - fotao
Foto: João Medeiros

A dinâmica de preços segue a lógica básica da oferta e demanda: menos bezerros disponíveis eleva a concorrência entre recriadores e confinadores para garantir lotes, e isso eleva as cotações do animal jovem. Fontes do mercado e relatórios especializados já registram valorização nas cotações do bezerro em 2025, e os contratos futuros ajustam-se na mesma direção — com impacto também sobre o custo final da carne in natura. Esse repasse não é instantâneo e varia por região, mas a tendência é que os preços ao produtor do bezerro subam de forma consistente enquanto o rebanho reprodutor segue em retração.

Além do efeito direto sobre o preço do bezerro, há consequências encadeadas: confinamentos com menor oferta de animais podem reduzir a produção de carne no curtíssimo prazo, pressionando estoques e exportações; indústrias frigoríficas vão disputar lotes com preços mais altos ou buscar alternativas (importações pontuais de gado ou ajuste nas escalas); e consumidores finais sentirão o impacto na ponta se a alta for sustentada. Analistas ressaltam que ciclos pecuários — semelhantes aos observados em outros grandes produtores como EUA e Austrália — tendem a amplificar essas oscilações até que haja recomposição planejada do rebanho.

Para produtores e agentes do mercado, o diagnóstico traz duas mensagens práticas: (1) a curto prazo, quem retiver fêmeas e investir em reprodução poderá capturar ganhos quando a escassez de bezerros apertar; (2) para o mercado como um todo, é previsível que os preços da categoria bezerro — e, em sequência, parte dos cortes bovinos — fiquem mais caros nos próximos 12–36 meses, até que a taxa de reposição do rebanho volte a se normalizar. Em suma: o dado histórico do 2º trimestre de 2025 não é apenas simbólico — é um alerta de que decisões tomadas agora na ponta do manejo repercutirão por anos na oferta e no bolso do consumidor.

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