Novas portarias de demarcação de terras indígenas geram insegurança jurídica e tensão no campo; Estado da Bahia está em alerta com a desapropriação de fazendas – cerca de mais de 7.000 – em ação apoiada pelo Governo Federal.
O anúncio de portarias declaratórias de demarcação de terras indígenas no estado da Bahia causou forte reação de representantes do agronegócio. Segundo a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (Faeb), “mais de 7 mil propriedades rurais podem ser atingidas” — o que, na visão da entidade, colocaria em risco o sustento de cerca de 36 mil famílias, entre pequenos produtores, assentados e comunidades que atuam legalmente há décadas.
As críticas não vêm apenas de entidades estaduais. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando a suspensão das portarias e decretos que formalizaram as demarcações — alegando que tais atos contrariariam a legalidade da Lei 14.701/2023, conhecida como “marco temporal”.
Em 17 de novembro de 2025, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), em ação conjunta com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), assinou portarias que demarcam oficialmente dez terras indígenas em diferentes estados — incluindo no estado da Bahia. Entre os territórios beneficiados está o Tupinambá de Olivença, localizado nos municípios de Ilhéus, Buerarema e Una, além de Comexatibá (Cahy-Pequi). 
Para o governo federal, a medida representa o cumprimento de um dever constitucional. Segundo o ministério, a demarcação reduz “conflitos, fortalece a governança socioambiental e bloqueia as engrenagens da destruição — como grilagem, mineração ilegal e exploração predatória”. 
Em termos numéricos, o governo informa que, com as novas portarias, 21 terras indígenas foram reconhecidas sob esta gestão — algo que não ocorria desde 2018. Atualmente, as terras indígenas ocupam cerca de 117,4 milhões de hectares, equivalentes a 13,8 % do território nacional. 
Para a Faeb, as demarcações representam “uma ameaça direta ao sustento de milhares de trabalhadores rurais”.  A entidade argumenta que muitas das propriedades hoje sob ameaça são de famílias que produzem e vivem da terra “há décadas”. 
Já a CNA afirma que os atos do Executivo — sem respaldo jurídico claro — violam a segurança jurídica e os direitos de propriedade de produtores rurais. Para a entidade, a edição de portarias que “aparecem contrariar uma lei vigente” configura “afronta institucional”. 
Disputa política
Essa ofensiva judicial ocorre em um momento de intensa disputa política e social no campo. A polarização cresce diante de antigos conflitos fundiários, frequentemente marcados por ameaças, violência e disputas entre indígenas, assentados e fazendeiros. 
Do lado dos povos originários, o movimento pelas demarcações é visto como uma questão histórica de reconhecimento de direitos ancestrais. O território Tupinambá de Olivença, por exemplo, teve regularização prometida durante o retorno do Manto dos Tupinambá, artefato sagrado repatriado à Bahia após cerca de 300 anos no exterior.
Organizações indigenistas e a administração estadual da Bahia comemoram o avanço como um marco histórico. Para o governo estadual, a iniciativa reforça “direitos tradicionais” e contribui para a garantia de proteção às comunidades indígenas. 
Também há consenso, do lado de órgãos públicos, de que a demarcação é fundamental para a preservação ambiental. Segundo nota do MJSP, a oficialização dos territórios indígenas ajuda a conter o desmatamento, a proteger biomas ameaçados e a dar segurança jurídica a quem atua na preservação e conservação do meio ambiente. 
O conflito entre a garantia dos direitos territoriais indígenas e a segurança da atividade agropecuária torna-se cada vez mais evidente na Bahia. De um lado, há o esforço do Estado para cumprir determinações constitucionais e reparar injustiças históricas. De outro, existe o receio — expresso pelo setor produtivo — de que a demarcação em larga escala destabilize a economia rural, inviabilize propriedades e gere insegurança jurídica.
Além disso, o contexto traz à tona uma profunda disputa sobre a interpretação da Lei 14.701/2023. A lei, que consolida o chamado “marco temporal”, tem sido usada como base para contestar reivindicações de terras indígenas. Porém, com a recente ofensiva do governo e a crise de legitimação social do marco, a polêmica se intensifica. 
- A ação da CNA no STF deve entrar na pauta de julgamento, o que pode suspender, temporariamente, novos reconhecimento de territórios.
- Enquanto isso, comunidades indígenas e organizações de defesa de direitos humanos devem intensificar a mobilização, buscando visibilidade e proteção. Já houve denúncias recentes de violência, ameaças e intimidações contra povos indígenas no sul da Bahia.
- Do ponto de vista ambiental e de governança territorial, o governo defende que a demarcação abre caminho para reduzir o desmatamento e controlar a grilagem e mineração ilegal.
A disputa em torno das demarcações no estado da Bahia expõe — com clareza — o nó estrutural da questão fundiária no Brasil: o choque entre a necessidade de reparação histórica para povos originários e a busca por segurança e previsibilidade do agronegócio. A recente ofensiva do governo e a reação organizada do setor rural mostram que nenhum dos lados pretende recuar facilmente — e que o desfecho do embate terá impacto significativo para milhares de famílias, para o meio ambiente e para o futuro da produção agrícola no estado.
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