
Levantamento inédito revela que o país tem 2,2 milhões de quilômetros de vias rurais – estradas vicinais, sendo a maioria sem pavimentação e em más condições de uso; Prejuízo para o agro é gigante
Um estudo inédito divulgado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em parceria com o Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial da Esalq-Log/USP, revelou um diagnóstico preocupante: mais de 80% das estradas vicinais do Brasil — vias rurais não pavimentadas — estão em situação precária de conservação. Essas vias, essenciais para o escoamento da produção agropecuária e o acesso de comunidades rurais a serviços básicos, representam o elo mais frágil da infraestrutura nacional.
Segundo o levantamento, o país possui 2,2 milhões de quilômetros de estradas vicinais, das quais 1,8 milhão (84,5%) são “não classificadas”, ou seja, estreitas, de terra batida e com tráfego restrito a um veículo por vez. Apenas 12,5% das estradas brasileiras são pavimentadas, e a precariedade dessas vias gera impactos econômicos e sociais significativos para o agronegócio e as populações rurais.
Impactos diretos no campo e na economia
De acordo com o estudo, as estradas vicinais são responsáveis por transportar cerca de 1,4 bilhão de toneladas por ano, incluindo produtos como soja, milho, leite, cana-de-açúcar, frutas e madeira. A má conservação dessas vias eleva os custos de transporte, aumenta o consumo de combustível e o desgaste de veículos, reduzindo a rentabilidade do produtor e afetando a competitividade do agro brasileiro.
A assessora técnica da CNA, Elisangela Pereira Lopes, destacou que o impacto financeiro das más condições ultrapassa R$ 16,2 bilhões anuais em custos operacionais. “Com um investimento de R$ 4,9 bilhões por ano, seria possível adequar as estradas a um padrão mínimo de qualidade, garantindo melhor qualidade de vida no campo e eficiência no escoamento de alimentos”, afirmou.
Índice de Prioridade e investimento necessário
Para determinar onde investir primeiro, o estudo desenvolveu o Índice de Priorização das Estradas Vicinais (Ipev), que considera fatores como relevância econômica, social e ambiental. Segundo os cálculos, adequar 177 mil quilômetros de vias nas regiões mais críticas exigiria R$ 4,9 bilhões anuais, enquanto elevar todas as 367 mil quilômetros de estradas terciárias ao padrão mínimo demandaria cerca de R$ 10 bilhões por ano.
Já melhorar 101 mil km de vias de padrão “ruim” para “superior” custaria R$ 12,6 bilhões, mas traria economia de R$ 6,4 bilhões por ano em custos operacionais e redução de 1 milhão de toneladas anuais de CO₂, devido à maior eficiência logística.
“Precisamos mostrar a realidade das nossas estradas”, diz presidente da CNA
Durante o evento de lançamento do estudo, o presidente da CNA, João Martins, destacou que as estradas vicinais afetam diretamente a rotina e a renda de milhões de produtores, especialmente os pequenos. “Temos que mostrar ao governo, aos deputados e senadores a realidade das nossas estradas vicinais”, afirmou. “O produtor rural é quem mais sente os prejuízos de rodar diariamente em vias cheias de buracos, atoleiros e pontes quebradas”, completou.
Martins citou o exemplo dos produtores de leite, que muitas vezes enfrentam dificuldade até para escoar a produção. “O custo do transporte e da manutenção dos veículos devido à precariedade das vicinais compromete toda a rentabilidade da atividade”, ressaltou.
O estudo foi entregue oficialmente a parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária, entre eles Tião Medeiros (PP/PR), Rafael Simões (União/MG) e Arnaldo Jardim (Cidadania/SP), com o objetivo de subsidiar políticas públicas e ampliar o debate sobre o tema no Congresso Nacional.
Diagnóstico de campo e recomendações
A CNA e a Esalq-Log realizaram visitas técnicas a oito microrregiões em estados como Bahia, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Paraná, percorrendo mais de 1.200 quilômetros e ouvindo 150 produtores rurais e gestores municipais.
Entre os problemas mais recorrentes estão buracos, erosões, acúmulo de água, pontes deterioradas e atoleiros, que comprometem não apenas o transporte da safra, mas também o acesso a escolas e serviços de saúde.
O levantamento também destaca entraves como orçamento público limitado, extensão elevada da malha viária e falta de mão de obra técnica especializada, que dificultam a execução de obras de readequação.
Entre as principais recomendações do estudo estão:
- Aprovação do Projeto de Lei nº 1146/2021, que cria a Política Nacional de Mobilidade Rural e Apoio à Produção – Estradas da Produção Brasileira;
- Implementação do Programa Nacional de Estradas Vicinais (Proner), do Ministério da Agricultura;
- Capacitação técnica e formação de equipes municipais especializadas na manutenção das vias;
- Articulação entre os setores público e privado para priorizar investimentos em regiões estratégicas.
Uma questão de vida no campo
O deputado Rafael Simões (União/MG) lembrou que a precariedade das estradas não é apenas um problema logístico, mas uma questão de dignidade: “Morar na roça é comer poeira na seca e enterrar a lama na chuva. Precisamos mudar essa realidade”, disse durante o evento.
Para o presidente da Comissão Nacional de Infraestrutura da CNA, Mário Borba, o estudo servirá de base técnica para sensibilizar o poder público: “Precisamos mostrar às autoridades o que o produtor e a sociedade realmente precisam”, afirmou ao encerrar o encontro.
Com dados inéditos e embasamento técnico, o Panorama das Estradas Vicinais no Brasil escancara um dos maiores gargalos estruturais do país: a precariedade das vias rurais que sustentam o agro e a vida no campo. O estudo reforça a urgência de políticas públicas consistentes, com foco na recuperação, manutenção e gestão eficiente dessas estradas, condição essencial para o desenvolvimento sustentável do agronegócio brasileiro e para garantir dignidade às populações rurais.
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