João Batista Consentini, que chegou a movimentar R$ 500 milhões por safra, enfrenta suspeitas de fraude e pode ter recuperação judicial convertida em falência após relatório apontar esvaziamento patrimonial
Um dos nomes mais conhecidos do agronegócio em Tocantins e referência nacional em produção de grãos, João Batista Consentini enfrenta o colapso de um império que já chegou a faturar meio bilhão de reais por ciclo. Com dívidas que ultrapassam R$ 1 bilhão, o produtor está no centro de um escândalo que pode se tornar um caso emblemático de insolvência no setor agropecuário brasileiro.
De expansão bilionária à proteção judicial
A crise veio à tona menos de quatro meses após Consentini levantar R$ 104 milhões via emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), operação que atraiu grandes investidores, como o Fiagro RURA11, da Itaú Asset. Na sequência, paralisou pagamentos e recorreu à Justiça em busca de proteção contra os credores, sinalizando sua incapacidade de honrar os compromissos assumidos.
Segundo o portal Compre Rural, o juiz Adriano Morelli, da Justiça de Tocantins, deu 60 dias para que o produtor apresentasse uma solução, sob risco de avançar para um pedido formal de recuperação judicial, o que de fato ocorreu. A dívida acumulada vinha crescendo desde os anos de expansão do grupo, alavancada pela compra de fazendas e impulsionada por preços agrícolas em alta.
Entretanto, a queda recente nas cotações das commodities, principalmente dos grãos, associada à elevada alavancagem financeira, comprometeu a saúde financeira da Agropecuária Consentini, que cultiva 32 mil dos seus 56 mil hectares.
Suspeitas de fraude e esvaziamento patrimonial
A situação se agravou com a publicação de um relatório de 40 páginas do administrador judicial Wilmar Ribeiro Filho, que pediu a conversão da recuperação judicial em falência, alegando indícios de fraude e esvaziamento patrimonial.
O relatório revela que metade dos bens e ativos do grupo não constam no processo de recuperação, o que pode indicar blindagem indevida de patrimônio em prejuízo dos credores. A maior parte dos imóveis rurais estaria em condomínio com Carlos Cardoso de Oliveira Filho, sócio de Consentini que não foi incluído na recuperação judicial, mas que atua como avalista em diversas dívidas cruzadas.
Há também denúncias de que fazendas foram transferidas a terceiros — inclusive como doação a um advogado —, mesmo estando dadas como garantia fiduciária, o que fere os direitos dos credores que detêm tais garantias extraconcursais.
“Tanto João Batista Consentini Filho quanto Carlos Cardoso de Oliveira Filho estão procedendo à liquidação precipitada de seus ativos”, declarou o administrador judicial.
Efeitos colaterais no mercado financeiro
A crise não afeta apenas o produtor. Mais de 80 mil investidores do fundo RURA11, um dos maiores Fiagros do país, foram diretamente impactados. O fundo detém R$ 51 milhões em papéis lastreados no CRA de Consentini, o que representa 3,2% do portfólio. Com a inadimplência, as cotas do fundo caíram 8,3% em poucos dias.
Apesar disso, há uma possibilidade de alívio para os investidores: como a fazenda dada em garantia do CRA pode ficar fora da massa falida, os credores podem tentar executar o bem diretamente.
🕰️ Linha do Tempo da Crise – Caso Consentini
📈 2021–2023 | Anos de expansão
- João Batista Consentini amplia suas operações em Tocantins.
- Adquire novas áreas e chega a operar cerca de 56 mil hectares, com 32 mil hectares em grãos.
- Aposta na valorização das commodities agrícolas e se alavanca com financiamentos e estruturas complexas de crédito.
💰 Março de 2024 | Emissão de CRA
- Consentini capta R$ 104 milhões no mercado via emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA).
- A operação atrai investidores institucionais, incluindo o fundo Fiagro RURA11, da Itaú Asset, que aplica R$ 51 milhões.
- A garantia do CRA é uma fazenda de alto valor, vinculada ao grupo Consentini.
📉 Julho de 2024 | Queda das commodities
- O mercado de grãos começa a recuar.
- O faturamento da safra, estimado em R$ 500 milhões, já não é suficiente para cobrir os compromissos financeiros assumidos.
- A alavancagem se torna insustentável diante da desvalorização das receitas.
⚠️ Setembro de 2024 | Pagamentos paralisados
- Consentini suspende pagamentos aos credores e busca proteção judicial.
- Dívida acumulada gira em torno de R$ 700 milhões, segundo apuração do Compre Rural.
- Justiça concede 60 dias para que o produtor encontre uma solução negociada e evite a recuperação judicial.
🧾 Outubro de 2024 | Início do processo de Recuperação Judicial
- Pedido de recuperação judicial é protocolado.
- Processo corre sob sigilo, mas causa alarde no setor, principalmente entre investidores de Fiagros.
- Queda de 8,3% nas cotas do RURA11, um dos fundos mais afetados.
📊 Abril a Junho de 2025 | Apuração do administrador judicial
- O administrador judicial Wilmar Ribeiro Filho inicia auditoria nas contas do grupo.
- Descobre esvaziamento patrimonial: cerca de metade dos ativos do produtor não constam no processo de recuperação.
- São identificadas operações suspeitas com o sócio Carlos Cardoso de Oliveira Filho, incluindo doações e vendas de propriedades com garantias a terceiros.
🧨 Julho de 2025 | Pedido de falência
- Ribeiro Filho emite um relatório de 40 páginas pedindo a conversão da recuperação judicial em falência.
- Aponta indícios de fraude e tentativa deliberada de blindagem de ativos para evitar que credores tenham acesso ao patrimônio.
- Destaca que as fazendas dadas como garantia no CRA devem ficar de fora da massa falida, o que pode beneficiar investidores institucionais.
⏳ Julho de 2025 em diante | Expectativa pela decisão judicial
- O caso está nas mãos da Justiça, que deve decidir se aceita o pedido de falência.
- O desfecho pode se tornar precedente importante para o mercado de capitais do agro, especialmente sobre a segurança de garantias e os limites da recuperação judicial rural.
Um alerta para o agronegócio
O caso de João Batista Consentini acende um alerta vermelho no agronegócio brasileiro. A multiplicação dos pedidos de recuperação judicial entre produtores rurais expõe os riscos da alavancagem excessiva em tempos de volatilidade das commodities.
A depender do desenrolar do processo, o caso poderá servir de precedente sobre como o mercado e a Justiça tratam operações de CRA e garantias extraconcursais diante de suspeitas de má-fé.
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