
Surto de intoxicações por metanol em bebidas reforça importância da fiscalização e da rastreabilidade de insumos.
O recente aumento de mortes por ingestão de bebidas adulteradas com metanol assustou consumidores em diferentes regiões do Brasil. Na Grande São Paulo, a Secretaria de Saúde investigou 22 casos de intoxicação por bebidas como vodca e gim, dos quais sete foram confirmados e cinco resultaram em óbito. Autoridades alertaram que o número de notificações em agosto e setembro de 2025 já é equivalente à média anual de 20 casos, sinalizando um surto preocupante.
A substância por trás dessa tragédia é o *metanol (CH₃OH), um álcool industrial incolor e inflamável com odor semelhante ao etanol. Por ser barato e de difícil detecção a olho nu, criminosos o adicionam ilegalmente a bebidas para aumentar volume e lucro, mas ele é altamente tóxico. Mesmo pequenas quantidades podem causar cegueira (10 ml) ou morte (30 ml). As vítimas relatam visão turva, dores de cabeça, náuseas e confusão mental, evoluindo rapidamente para perda de visão e coma.
O que o metanol significa para o campo
Apesar de estar no centro do escândalo das bebidas adulteradas, o metanol não deve ser demonizado. Na indústria química e energética, ele é uma matéria‑prima versátil. É produzido a partir de gás natural, biomassa ou resíduos de madeira e usado na fabricação de adesivos, solventes e formol. No agronegócio brasileiro, o metanol é insumo fundamental para a produção de biodiesel, entrando na transesterificação de óleos vegetais; cada mil litros de biodiesel podem consumir cerca de 300 litros de metanol. O setor também vislumbra o e‑metanol, derivado de hidrogênio verde e dióxido de carbono, que pode ser produzido nas propriedades rurais a partir de resíduos agrícolas e esterco, oferecendo energia para tratores, geradores e fertilizantes.
Portanto, *o campo é parte da solução, não o problema. Agricultores investem em práticas sustentáveis, e o metanol desempenha papel de destaque na transição energética que mira menor impacto ambiental e maior autonomia das fazendas. O desafio está em *evitar o desvio de metanol industrial para usos ilegais, prática que nada tem a ver com o agro formal e que coloca em risco a reputação de bebidas artesanais e destilados de origem agrícola.
Por que o etanol é seguro e o metanol não
O etanol – componente das bebidas alcoólicas – é obtido pela fermentação de cana‑de‑açúcar, milho e outros cereais, sendo seguro em doses moderadas para consumo humano. Já o metanol, quando ingerido, se transforma em formaldeído e ácido fórmico, substâncias que atacam o sistema nervoso central. Por isso, leis e normas do Ministério da Agricultura determinam que apenas traços mínimos de metanol possam aparecer naturalmente em destilados, proibindo sua adição deliberada. Nas destilarias artesanais, o cuidado com o processo de destilação – descartando as frações iniciais e finais do destilado, onde a concentração de metanol é maior – é fundamental para garantir segurança.
Sintomas e o que fazer
Os primeiros sinais de intoxicação se confundem com a embriaguez: torpor, dificuldade de locomoção e visão embaçada. Horas depois, surgem fortes dores de cabeça, náuseas, vômitos e confusão mental. Caso surjam esses sintomas após o consumo de bebida alcoólica, a recomendação é procurar atendimento médico imediato e acionar o Disque‑Intoxicação (0800 722 6001) ou o Ciatox. O tratamento inclui a administração de etanol ou fomepizol, que competem com o metanol no metabolismo e reduzem a formação de substâncias tóxicas.
Investigação e rastreabilidade
A Polícia Federal e as secretarias estaduais de saúde investigam o caminho que levou o metanol às bebidas. A suspeita é de que estoques apreendidos em operações de combate à adulteração de combustíveis tenham sido desviados para destilarias clandestinas. Para os especialistas, reforçar a rastreabilidade de bebidas e insumos industriais é a melhor forma de frear o crime. A Associação Brasileira de Combate à Falsificação propõe que cada garrafa de destilado tenha um código individual, permitindo acompanhar seu trajeto desde a produção até a venda. Simultaneamente, fiscais e órgãos de defesa do consumidor alertam para sinais de adulteração: preços muito baixos, tampas tortas, rótulos desalinhados ou ausentes e erros de ortografia. Testes caseiros, como tentar acender a bebida, não são confiáveis e podem atrasar a busca por ajuda.
Um alerta para consumidores e produtores
Os surtos de intoxicação servem de alerta para toda a cadeia – consumidores, comerciantes e produtores rurais. Embora o mercado ilegal de álcool represente cerca de 21 % do consumo mundial, as iniciativas de controle e educação podem reduzir esse número. Ao adquirir bebidas, o consumidor deve exigir notas fiscais e verificar a procedência. Para os produtores de cachaça artesanal e destilados, investir em boas práticas de produção e rotulagem fortalece a confiança do público e diferencia o produto daquilo que é vendido ilegalmente. E para o agronegócio, o desafio está em mostrar que metanol e etanol são aliados, quando usados adequadamente, na construção de uma economia mais limpa e eficiente.
Conclusão
Os recentes casos de intoxicação por metanol reiteram a importância de fiscalização rigorosa, rastreabilidade e conscientização. O agronegócio brasileiro aparece neste debate não como culpado, mas como aliado na solução, pois é fonte de matérias‑primas (biomassa para e‑metanol e etanol) e promotor de tecnologias sustentáveis que podem atender a demanda energética de forma limpa. Ao unir esforços de produtores, autoridades e consumidores, é possível combater o crime e valorizar os produtos que fazem do Brasil um dos maiores celeiros do mundo, sem que o metanol continue a causar vítimas.
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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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