Minerva consolida 20 aquisições em 20 anos e aproveita janela global da carne

Em tempos de rebanhos minguados, guerra tarifária e novas plantas, grupo brasileiro avança para ocupar o espaço deixado por Estados Unidos, Europa e China.

Nos últimos vinte anos a Minerva Foods manteve um ritmo agressivo de crescimento: foram 20 aquisições no mesmo número de anos. A investida mais recente é a compra de 13 unidades de abate e desossa de bovinos e ovinos da rival Marfrig, incluindo um centro de distribuição, negócio aprovado pela autoridade antitruste brasileira em 2024.

O pacote faz parte de uma transação maior, envolvendo 16 plantas por 7,5 bilhões de reais, que transformou a companhia no segundo maior produtor de carne bovina da América do Sul. Esta expansão reforça a estratégia da empresa de ampliar presença na América do Sul – Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Colômbia e Chile – e garantir acesso a mercados internacionais em um momento em que a oferta de gado declina em outras regiões.

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Trajetória de aquisições e integração

Desde o início dos anos 2000, a Minerva segue uma política de consolidar ativos em momentos oportunos, o que explica o histórico de uma aquisição ao ano. A mais significativa delas, fechada em 2023 e concluída em outubro de 2024, foi o pacote de plantas da Marfrig. Com a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em setembro de 2024, a companhia passou a ter 22 336 cabeças de capacidade diária de abate em 21 plantas no Brasil, além de capacidade de 5 978 cabeças/dia em seis plantas na Argentina e 25 716 cabeças/dia em cinco unidades de ovinos no Chile e na Austrália. Para viabilizar o negócio, o CADE exigiu a venda da planta de Pirenópolis, fechada desde 2010, e o regulador uruguaio ainda analisa a aquisição de três unidades naquele país.

O processo de integração vem sendo acelerado. Durante o Investor Day de setembro de 2025, o diretor financeiro Edison Ticle comemorou o fato de ter integrado as novas plantas em apenas três trimestres, um trimestre antes do planejado. A expectativa é que as unidades funcionem plenamente no quarto trimestre de 2025, permitindo aumentar a produção em até 10 % em 2026. A empresa também prevê investir cerca de R$ 200 milhões em capital adicional nas 13 plantas recém-adquiridas e até R$ 500 milhões em capital de giro, enquanto planeja reduzir a alavancagem com geração de caixa entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões.

Plataforma diversificada e vantagem sul‑americana

O CEO Fernando Galletti de Queiroz argumenta que a plataforma multi‑país é o principal trunfo da Minerva. A América do Sul concentra as maiores vantagens comparativas na produção de carne bovina; a região possui pastagens abundantes, custos competitivos e possibilidade de rotacionar ciclos de abate entre países. Queiroz observou que “a América do Sul nunca ocupou tanto espaço no mercado internacional, e a cada dia novos mercados se abrem”, afirmando que a empresa tem batido recordes “com tarifaço e sem tarifaço”.

Além do Brasil, onde opera boa parte de suas plantas, a empresa atua na Argentina, Uruguai, Paraguai, Colômbia e Chile. A diversificação geográfica, ressaltou o executivo, é essencial para enfrentar volatilidade cambial e questões sanitárias. O CFO Edison Ticle acrescentou que a estratégia torna a Minerva capaz de desviar exportações entre países conforme surgem oportunidades ou barreiras, mantendo oferta constante aos clientes.

Janela global: escassez de rebanhos e guerra tarifária

O crescimento acelerado da Minerva ocorre em um cenário de escassez global de bovinos. Os Estados Unidos enfrentam o menor rebanho desde 1951, consequência de anos de seca; o próprio Departamento de Agricultura (USDA) reconhece que a reposição levará tempo. Europa e China também registram queda na produção, e a Oceania – em especial a Austrália – já ocupa espaço antes dominado pelos norte‑americanos. Reportagem da Forbes mostra que as exportações norte‑americanas de carne para a China despencaram 93 % entre 2024 e 2025; os embarques mensais caíram de mais de US$ 120 milhões para menos de US$ 10 milhões, enquanto os australianos passaram de US$ 140 milhões para mais de US$ 220 milhões. O Brasil permaneceu como maior fornecedor do gigante asiático.

A reversão desse ciclo não está no horizonte imediato. Segundo Ticle, o rebanho dos EUA só deve dar sinais de virada em 2028; até lá, a Minerva enxerga dois anos muito favoráveis (2026–27) para os exportadores sul‑americanos. O executivo avalia que o déficit global pode chegar a 2 milhões de toneladas no próximo ano, o que reforça a necessidade de aumentar a oferta na região.

A pressão sobre os rebanhos não se limita à oferta. Ao retornar à Casa Branca em 2025, o presidente Donald Trump impôs tarifas de 50 % sobre a carne bovina brasileira, o que levou frigoríficos a reavaliar embarques para os Estados Unidos. O presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Roberto Perosa, disse que novos embarques estão sob análise por conta do tarifaço, embora os EUA permaneçam o segundo maior mercado do Brasil, atrás da China. Os frigoríficos têm redirecionado cargas, e parte deles chegou a suspender temporariamente a produção destinada aos EUA. A Minerva obtém cerca de 5 % da receita líquida com vendas ao mercado norte‑americano e, segundo analistas, antecipou embarques para os EUA antes da vigência das tarifas, contribuindo para recorde de exportações no primeiro semestre.

Mercado mexicano e geopolítica

A guerra comercial iniciada pelos EUA abriu brechas em outros destinos. Em seu Investor Day, a Minerva destacou o México como principal oportunidade. O país elevou drasticamente suas importações de carne brasileira no último ano, passando de 3 % para 38 % de participação nesse mercado, graças à redução da oferta americana. A empresa acredita que o México pode responder por 15 % das exportações da Minerva, ante menos de 2 % hoje. Essa expansão foi facilitada pela integração das plantas compradas da Marfrig e pela proximidade com a fronteira mexicana, permitindo rápidas realocações de logística.

A empresa também monitora a investigação chinesa sobre importações de carne bovina, que pode resultar em restrições para lidar com excesso de oferta. Mesmo assim, a Minerva possui o maior número de plantas habilitadas a exportar para a China, o que lhe dá vantagem competitiva caso novas licenças sejam requeridas.

Produtividade brasileira e uso do DDG

Apesar do início de um ciclo pecuário de menor oferta no Brasil, especialistas afirmam que os ganhos de produtividade podem compensar a queda. Alexandre Mendonça de Barros, da MB Agro, disse durante o mesmo evento que a pecuária brasileira vem expandindo produtividade, o que permitirá ao país aumentar sua participação no mercado global. Ele explicou que o crescimento da indústria de etanol de milho no país tem ampliado a oferta de DDG (farelo de milho); esse coproduto serve de ração e fomenta a instalação de confinamentos próximos às usinas. O uso intensivo do DDG foi citado por Edison Ticle como um dos fatores que permitiram à Minerva manter produção acima do esperado mesmo com maior retenção de fêmeas.

Inteligência artificial e resultados financeiros

Além de genética e nutrição, a Minerva aposta em tecnologia para elevar margens. A empresa informou que a aplicação de inteligência artificial para classificar carcaças, otimizar logística e desenhar matrizes de desmontagem deve gerar R$ 288 milhões em ganhos recorrentes por ano a partir de 2026. O guidance divulgado no Investor Day projeta receita entre R$ 50 bilhões e R$ 58 bilhões em 2025, com expectativa de EBITDA de R$ 4,7 bilhões a R$ 5,2 bilhões e alavancagem entre 2,5x e 2,8x.

No segundo trimestre de 2025, a companhia já havia reportado recorde de receita anualizada de R$ 55,7 bilhões. As margens de EBITDA melhoraram 56 % no quarto trimestre de 2024, apesar de um prejuízo líquido de R$ 1,57 bilhão causado por efeitos cambiais; analistas elogiaram a capacidade de gerar caixa suficiente para pagar a grande aquisição da Marfrig e prometeram cortar dívida nos anos seguintes. O aumento de capacidade elevou a dívida bruta para R$ 15,6 bilhões no fim de 2024, mas a empresa prevê que o fluxo de caixa reduza essa alavancagem.

Tarifaço, reavaliação de exportações e desafios futuros

A imposição de tarifas de 50 % pelo governo Trump alterou rotas comerciais e exigiu reavaliação das exportações brasileiras. A Abiec informou que novos embarques estão sob análise, pois os frigoríficos já reprogramam produção e redirecionam cargas. Analistas da Genial Investimentos observaram que algumas empresas interromperam temporariamente a produção destinada aos EUA após o anúncio das tarifas, enquanto a Minerva antecipou abates e enviou carne para estoque nos EUA para mitigar riscos.

Na China, a guerra tarifária levou o país a substituir a carne americana pela australiana, desviando centenas de milhões de dólares do setor pecuário dos EUA. Em julho e agosto de 2025, as exportações de carne bovina dos EUA para a China ficaram em US$ 8,1 milhões e US$ 9,5 milhões, contra US$ 118 milhões e US$ 125 milhões nos mesmos meses de 2024. Enquanto isso, as remessas australianas subiram para US$ 221 milhões e US$ 226 milhões. Para o Brasil, a ofensiva de Trump pode ser uma oportunidade: com rebanho menor nos EUA e na Europa, a Minerva aposta em ocupar o espaço vazio no mercado internacional.

Perspectivas de um gigante

A história recente mostra que a Minerva tem sido hábil em transformar crises em oportunidades. Ao consolidar aquisições, diversificar geograficamente e investir em tecnologia, a companhia se posiciona para suprir um déficit global previsto de carne bovina. O ciclo pecuário desfavorável nos EUA, Europa e China, combinado com barreiras comerciais, cria uma janela que a empresa pretende aproveitar. Embora a integração das novas plantas exija capital e aumente a dívida no curto prazo, o guidance aponta para melhora de margens e aumento de produção.

No longo prazo, o sucesso da estratégia vai depender da capacidade de gerar caixa suficiente para reduzir a alavancagem, manter a produtividade em alta e navegar um cenário geopolítico incerto. Se conseguir avançar nesses pontos, a gigante brasileira que fez uma aquisição por ano nas últimas duas décadas poderá aproveitar como poucas empresas a nova geografia do comércio de carne.

Fonte: Thiago Pereira

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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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