Moagem de cacau cai 16,6% e setor segue pressionado por custos e baixa demanda

Recebimento de amêndoas mostra leve alta, mas oferta ainda patina; margens apertadas e tarifas externas agravam pressão no setor de cacau

A trajetória de queda da moagem de cacau no Brasil continuou no terceiro trimestre de 2025, reforçando um cenário delicado para o setor processador nacional. Enquanto o recebimento de amêndoas dá sinais de leve recuperação, os desafios estruturais — custos elevados, demanda enfraquecida e efeitos comerciais externos — continuam a tolher a retomada da indústria chocolatera.

De acordo com dados do SindiDados – Campos Consultores, divulgados pela AIPC (Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau), foram moídas 46,1 mil toneladas no terceiro trimestre de 2025 — o que representa uma queda de 16,6% em relação ao mesmo período de 2024.
No acumulado de janeiro a setembro, o volume processado alcançou 144 mil toneladas, retração de 15,1% frente ao volume do ano anterior.

A queda persistente na moagem evidencia que o aumento pontual nos recebimentos de amêndoas não está sendo convertido em processamento industrial, ressalta Anna Paula Losi, presidente-executiva da AIPC. Segundo ela, fatores como custos elevados da matéria-prima, redução na demanda pelos derivados do cacau (em especial da manteiga) e margens comprimidas seguem condicionando a capacidade de reação do setor.

Recebimento de amêndoas: tímida estabilidade

Diferentemente da moagem, o recebimento de amêndoas apresentou um desempenho menos desfavorável:

  • No 3º trimestre de 2025, o volume recebido foi de 68.212 toneladas, alta de 2,37% sobre as 66.633 toneladas do mesmo período de 2024.
  • Entre janeiro e setembro, o acumulado foi de 126,4 mil toneladas, praticamente estável diante das 125 mil toneladas do mesmo período de 2024.

Mesmo que o volume recebido mantenha-se relativamente estável, o déficit entre oferta e processamento ainda é expressivo. Segundo Anna Paula Losi, o setor mostra um gap de cerca de 18 mil toneladas (12,5 %) entre o que foi processado e o que foi entregue à indústria até setembro.

O encerramento do ciclo safra 2024/25 (outubro a setembro) reforça a cautela: foram recebidas 180.835 toneladas, valor ligeiramente inferior às 182.349 toneladas da safra anterior. O sinal é claro: após o pico da safra 2022/23 (215.217 toneladas), a oferta nacional segue em trajetória de queda, impactada por fatores climáticos, pragas e limitações estruturais.

Desempenho desigual por estado

O panorama estadual no terceiro trimestre de 2025 apresentou contrastes relevantes:

  • Bahia: recebeu 34.592 toneladas, um salto de 20,9 % em relação ao mesmo período de 2024. No acumulado do ano, soma 71.468 toneladas — alta de 56,5%.
  • Pará: líder tradicional, registrou queda de 15,8%, ao passar de 35.921 para 30.252 toneladas, mas acumulou 45.910 toneladas no ano, avanço de 36,3%.
  • Espírito Santo: obteve resultado expressivo, com 66,9% de crescimento, ao passar de 1.611 para 2.689 toneladas no trimestre; no ano, somou 7.414 toneladas (+5,9%).
  • Rondônia: teve leve aumento de 8,8% no trimestre (533 vs. 490 toneladas), e no acumulado atinge 1.451 toneladas (+1,1%).

Esse cenário revela que regiões não tradicionais também começam a ganhar relevância, ainda que em escala modesta.

Desafios na balança comercial do cacau

O comércio externo de derivados do cacau também mostra sinais de retração e desequilíbrios:

  • As exportações de manteiga, pó e líquor somaram US$ 135,9 milhões no 3º trimestre de 2025, queda de 1,4% em relação ao mesmo período de 2024. Em termos de volume, o recuo foi ainda mais acentuado: de 13,97 mil toneladas para 11,22 mil toneladas (–19,7 %). Anna Paula Losi atribui a divergência menor em valor ao câmbio e aos preços praticados no período.
  • A Argentina permanece como mercado de destaque, com crescimento de 8,8% em valor (US$ 61,1 milhões), embora com recuo de 12% em volume (5,06 mil toneladas).
  • As exportações para os Estados Unidos cresceram 26,3% em valor (US$ 32,3 milhões vs. 25,6 milhões), mas sofreram queda de 11,3% em volume. Esse movimento já reflete os primeiros impactos das tarifas americanas adicionais. Nos meses de agosto e setembro, quando vigorou a sobretaxa de 50%, os embarques caíram 5,6% em valor e 21,5% em volume.
  • As importações brasileiras de derivados atingiram US$ 56,3 milhões e 8 mil toneladas (3º trimestre), recuos de 25% e 38%, respectivamente, frente ao trimestre anterior. O declínio foi puxado principalmente pela quase interrupção das importações de manteiga de cacau (–98% em valor e –96% em volume).
  • Nenhuma importação de amêndoas foi registrada no trimestre.

A elevação tarifária praticada pelos EUA e a consequente perda de competitividade dos derivados brasileiros já começam a provocar cancelamentos e renegociações de contratos, alerta a AIPC.

Panorama externo e perspectivas globais

O mercado mundial de cacau segue marcado por volatilidade. Segundo a consultoria StoneX, os fundamentos de oferta e demanda estão em reorganização — reflexo dos elevados preços e dos déficits sucessivos verificados nos últimos anos.

Outro elemento de atenção são os preços futuros do cacau: segundo a plataforma Trading Economics, os contratos recuaram a níveis abaixo de US$ 6.100 por tonelada, a mínima desde fevereiro de 2024, em meio à expectativa de maior oferta proveniente da África Ocidental e menor consumo em regiões processadoras.

No Oeste Africano, apesar de chuvas próximas da média até meados de 2025, a seca posterior deteriorou indicadores de umidade e saúde das plantações — gerando incertezas sobre a safra 2025/26. Ainda assim, espera-se que uma recuperação das precipitações entre outubro e novembro possa aliviar parcialmente o déficit global.

Países como Equador e Indonésia seguem ampliando sua produção, impulsionados pelos bons preços. O Equador, em particular, caminha para se aproximar do posto de segundo maior produtor mundial em 2025/26.

No lado da demanda, as moagens mundiais (Europa, Ásia, América do Norte) enfrentam quedas constantes, o que levanta dúvidas sobre a resiliência do consumo global de derivados diante da pressão sobre margens e aumento dos custos de matéria-prima.

Reflexos e urgências para o Brasil

O Brasil, apesar de ocupar posição relevante na cadeia (produção, processamento e indústria do chocolate), continua sofrendo com sua baixa representatividade no panorama global.

A queda acentuada da moagem no 1º semestre de 2025, que somou apenas 97.904 toneladas — 14,4% abaixo de 2024 e o menor nível dos últimos nove anos — evidencia o momento crítico vivido pelo setor.

Para reverter esse cenário, serão necessários:

  1. Investimentos estruturais e tecnológicos nas lavouras, com uso de clones mais resistentes, melhorias em irrigação, manejo integrado e capacitação dos produtores menores.
  2. Políticas de apoio público, seja via crédito concessionado, seguro agrícola ou incentivos à agregação de valor local.
  3. Ações estratégicas de comércio exterior, para mitigar os impactos das tarifas externas e reconquistar mercados com produtos de maior valor agregado.
  4. Integração e coordenação ao longo da cadeia, garantindo que o aumento na produção efetiva se converta em maior moagem, sem gargalos logísticos ou industriais.

Enquanto isso, o setor permanece numa encruzilhada: o recebimento de amêndoas indica alguma estabilidade, mas a moagem segue deteriorada, refletindo que os obstáculos internos e externos ainda não foram superados. A retomada confiável dependerá de conjunções favoráveis e de medidas estruturais de longo prazo — sob risco de o Brasil perder ainda mais relevância no cenário internacional de cacau.

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