
Pesquisadores da Esalq-USP revelam que o aquecimento global pode comprometer a produtividade de bovinos, caprinos e aves até 2100, exigindo adaptação genética e novas estratégias de manejo.
O aumento da temperatura média global e a intensificação de eventos climáticos extremos representam um risco crescente para a pecuária mundial, afetando diretamente o desempenho fisiológico dos animais. Pesquisadores brasileiros da Esalq-USP, com apoio da Fapesp, desenvolveram um estudo que mostra que a taxa respiratória de ruminantes pode aumentar até 68% até o final do século, comprometendo a produtividade e o bem-estar animal.
O levantamento projeta cenários climáticos entre 2050 e 2100, considerando o aumento médio de 2 °C na temperatura global. Esse aquecimento trará situações críticas para a agricultura e para a saúde animal, especialmente em regiões tropicais e subtropicais, como o Brasil.
Cenários de vulnerabilidade e riscos à produção
O estudo avaliou rebanhos em dois hemisférios e concluiu que os pequenos ruminantes do hemisfério Norte serão os mais afetados, com aumento médio de 68% na taxa respiratória. Já entre os trópicos, a pecuária leiteira do hemisfério Sul se mostrou a mais vulnerável ao estresse térmico.
Segundo o coordenador do Núcleo de Pesquisa em Ambiência (Nupea), Iran José Oliveira da Silva, os dados reforçam a necessidade de desenvolver linhagens mais resistentes e ambientes produtivos com controle térmico. “Será preciso adaptar os sistemas de produção para garantir segurança alimentar e sustentabilidade ambiental”, afirmou o pesquisador.
Entre as espécies avaliadas, galinhas poedeiras e codornas se mostraram as mais suscetíveis ao estresse térmico, podendo registrar até 40 batimentos respiratórios por minuto adicionais até 2100.
Metodologia e inovações do estudo
Para chegar às projeções, os cientistas usaram 12 bancos de dados de Brasil, Itália e Espanha, analisando variáveis termorreguladoras, morfológicas, hematológicas, hormonais e bioquímicas. A pesquisa aplicou modelagens inteligentes com aprendizado de máquina (machine learning) e cenários do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Essas informações permitiram identificar biomarcadores fenotípicos de adaptação animal e desenvolver modelos para prever o impacto do aquecimento global nos diferentes sistemas produtivos.
De acordo com o zootecnista Robson Mateus Freitas Silveira, primeiro autor do artigo, o trabalho define o conceito de animal sustentável: aquele com baixa emissão líquida de carbono, eficiência na conversão alimentar e alta capacidade adaptativa.
Impacto das mudanças climáticas na pecuária e nas diferentes cadeias produtivas
O estudo mostra que, além do impacto das mudanças climáticas na pecuária, outras cadeias produtivas também terão impactos, como:
- Bovinos de leite e aves serão os primeiros afetados pelos efeitos das mudanças climáticas;
- Caprinos e bovinos de corte apresentam maior resiliência, graças à plasticidade fenotípica — a capacidade de modificar características físicas conforme o ambiente;
- Avicultura demandará intensificação tecnológica imediata, pois as altas temperaturas comprometem a sobrevivência das aves em sistemas convencionais.
Esses resultados são cruciais para a formulação de políticas públicas e estratégias privadas voltadas à segurança alimentar e sustentabilidade.
A urgência de adaptação da pecuária e agricultura e os riscos globais
A ONU estima que a população mundial chegará a 10 bilhões de pessoas até 2050, ampliando a pressão sobre a produção de alimentos. Hoje, 8,2% da população passa fome, enquanto um terço da comida produzida é desperdiçada.
A pecuária e a agricultura já respondem por 31% das emissões globais de gases do efeito estufa. Sem ações rápidas, o aumento da temperatura e a maior frequência de secas e enchentes poderão comprometer metas globais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Para os pesquisadores, a saída está na integração entre genética, inovação e políticas públicas. “O futuro da produção animal depende da adaptação, seleção de raças locais e uso de tecnologias de ambiência”, reforça Silva.
Limitações e próximos passos
Os autores reconhecem que ainda existem desafios com bancos de dados internacionais, que possuem metodologias diferentes e amostras limitadas. As próximas etapas incluem ampliar o número de registros, especialmente com aves e suínos brasileiros, para aprimorar a previsão de respostas adaptativas.
Silveira, atualmente em estágio pós-doutoral com apoio da Fapesp, pretende criar um banco de dados nacional para subsidiar estratégias de mitigação e modelos de produção mais resilientes.
Conclusão: alerta para o futuro da pecuária
As mudanças climáticas já são uma realidade e exigem respostas rápidas e coordenadas. O estudo destaca que a adaptação animal é essencial para equilibrar produtividade e resiliência, garantindo a segurança alimentar e a sustentabilidade da pecuária nos próximos 80 anos.
A mensagem é clara: sem inovação genética e sistemas adaptados, o rebanho global poderá enfrentar um colapso fisiológico e produtivo nas próximas décadas.
✅ O artigo Physiological adaptability of livestock to climate change: A global model-based assessment for the 21st century pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0195925525002586.
Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias.