Navio com 3 mil vacas percorre mais de 26 mil km em alto-mar; Viagem é marcada por polêmica, mortes, nascimentos e mudanças de rota, fatores que reacendem debate global — sem desmerecer a importância econômica do setor para a pecuária
Um navio boiadeiro carregando cerca de 3 mil vacas permanece há mais de dois meses no mar, após ter enfrentado negativas de desembarque, mudanças bruscas de rota, mortes, nascimentos e condições severas a bordo. A situação, que envolve a embarcação Spiridon II, reacendeu o debate internacional sobre a logística de transporte marítimo de animais vivos — uma atividade legal, economicamente estratégica e essencial para vários países pecuários, mas que depende de rigor sanitário, estrutura adequada e protocolos eficientes para evitar impasses como este.
O Spiridon II, com 52 anos de operação, deixou Montevidéu em 19 de setembro, com destino ao porto de Bandırma, na Turquia. Após chegar em 22 de outubro, os animais passaram por inspeção sanitária, mas o país negou o desembarque devido a falhas documentais, problemas de identificação e mortalidade acima do esperado durante a viagem. Desde então, o navio segue uma rota incerta, acumulando mais de 26 mil km percorridos, nascendo e perdendo animais em pleno mar.
Irregularidades e quarentena prolongada levaram ao impasse com navio com 3 mil vacas
De acordo com o relatório turco, 146 animais estavam sem brincos de identificação, e outros 469 tinham marcas divergentes dos registros oficiais da importação. Além disso, as autoridades reportaram 48 mortes durante a travessia inicial, o que elevou o nível de alerta sobre o manejo sanitário a bordo.
O navio ficou 23 dias em quarentena, ancorado sem autorização para desembarque, e recebeu permissão excepcional para entrar no porto apenas para carregar mais fardos de ração e insumos. Esse prolongado período em mar aberto agravou as condições internas.
Mortes, nascimentos e deterioração: bastidores da travessia
Organizações internacionais que monitoram o caso — como a Animal Welfare Foundation e a Mercy For Animals — relataram odor forte, acúmulo de carcaças, proliferação de moscas e presença de resíduos em decomposição.
Além das mortes, a travessia registrou cerca de 140 nascimentos, número incomum para viagens desse tipo. Bezerros recém-nascidos, mais frágeis, têm menor chance de sobreviver a longos períodos embarcados e podem exigir manejo especial.
A veterinária australiana Lynn Simpson, referência em bem-estar no transporte marítimo de animais, alertou para possíveis vazamentos de fluidos de carcaças no convés — o que representa risco sanitário, ambiental e de saúde pública.

Mudanças de rota do Spiridon II e tentativa de desembarque no Norte da África
Após deixar a Turquia em 14 de novembro, o Spiridon II cruzou o Estreito de Çanakkale e inicialmente rumou de volta ao Uruguai, com previsão de chegada para 14 de dezembro. Mas a rota mudou novamente. No dia 22 de novembro, o navio atracou no porto de Benghazi, na Líbia, onde parte dos animais teria sido desembarcada.
Segundo informações da Mercy For Animals, o navio partiu em seguida rumo a Alexandria, no Egito, onde poderia encontrar condições legais para desembarque, já que o país possui acordo fitossanitário com o Uruguai para a importação de gado vivo.
Desde o início do impasse, organizações de proteção animal pressionam para que o governo uruguaio receba os animais de volta, ofereça assistência veterinária e os encaminhe para santuários.
Casos semelhantes mostram que o problema é global — e estrutural
Embora o objetivo deste conteúdo seja informar sem criminalizar o setor, é importante destacar que situações como esta não são inéditas. O transporte marítimo de animais vivos envolve riscos que exigem modernização das embarcações, fiscalização rigorosa e gestão preventiva.
Exemplos históricos citados por entidades internacionais incluem:
- 2015 — Navio Haidar, Brasil: naufrágio em Barcarena resultou na morte de 5 mil bovinos e derramamento de combustível.
- 2019 — Queen Hind, Romênia: tombou com 14 mil ovinos.
- 2020 — Gulf Livestock 1, Japão: 42 tripulantes e 5.687 bovinos morreram após o navio virar durante um tufão.
Esses episódios reforçam a necessidade de aperfeiçoamentos globais, não de condenação da atividade, que movimenta mercados, gera renda e cumpre acordos internacionais importantes para países pecuaristas.
Brasil permanece líder em exportação e pode atingir recorde histórico
O debate reacende atenção ao papel do Brasil na cadeia mundial. O país é hoje o maior exportador de gado vivo do mundo e, segundo estimativa da Mercy For Animals citada no relatório, deve ultrapassar 1 milhão de bovinos embarcados em 2025, número que seria recorde histórico.
No Congresso Nacional, dois projetos avançam com propostas de maior tributação e novas exigências sanitárias para a atividade: PLP 23/2024 e PL 786/2024, ambos influenciados por casos internacionais recentes e pela necessidade de atualizar padrões operacionais.
Por que o transporte marítimo de animais vivos segue relevante para a pecuária mundial?
Apesar dos desafios, a prática continua:
- movimentando bilhões em comércio internacional
- sendo essencial para países que dependem de gado vivo para engorda ou abate halal
- cumprindo acordos sanitários e comerciais que carne congelada ou genética não substituem em determinados mercados
- gerando renda e competitividade especialmente para Uruguai, Brasil, Austrália e Nova Zelândia
Ou seja, não se trata de um setor a ser combatido, mas sim aperfeiçoado, com soluções técnicas, logísticas e regulatórias que reduzam riscos e evitem episódios como o do Spiridon II.
O caso do Spiridon II mostra um ponto de atenção global, não um problema exclusivo de um país ou de um setor. A cadeia de exportação de animais vivos é fundamental para a pecuária internacional, mas precisa de protocolos modernos, embarcações atualizadas e diligência sanitária cada vez maior.
A viagem de mais de 26 mil km, com mortes, nascimentos e mudanças de rota, coloca em debate não a existência da atividade, mas como torná-la mais segura, previsível e sustentável — tanto para os animais quanto para os mercados envolvidos.
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