Nova carne? Fungos deverão ser importante fonte de proteína no futuro, aponta Embrapa

Avanços em engenharia genética e fermentação de precisão impulsionam a produção de micoproteínas como alternativa à carne, mas desafios técnicos, nutricionais e regulatórios ainda precisam ser superados.

Por décadas, as proteínas animais dominaram a dieta mundial. Agora, um novo protagonista começa a ganhar espaço nas pesquisas e nas prateleiras: os fungos. A partir de avanços em engenharia genética e fermentação de precisão, cientistas estão transformando o micélio — estrutura de sustentação do fungo — em uma promissora fonte de micoproteínas (proteínas derivadas de fungos), com alto valor nutricional, textura semelhante à carne e menor impacto ambiental. Segundo projeções, o mercado global desses produtos deve ultrapassar US$ 32 bilhões até 2032.

Engenharia genética e fermentação de precisão na produção de proteínas oriundas de fungos

Os avanços da biotecnologia, como a edição de DNA via CRISPR-Cas9 combinada à fermentação de precisão, estão permitindo a criação de micoproteínas altamente nutritivas, com textura e sabor próximos da carne e potencial de produção em larga escala.

De acordo com André Damasio, pesquisador da Unicamp, essas tecnologias estão transformando fungos filamentosos e leveduras em “fábricas celulares” capazes de produzir proteínas recombinantes — semelhantes às do leite, ovos e carne — com menor impacto ambiental e maior segurança alimentar.

Empresas como Meati, Quorn e Enough já operam em escala industrial, focadas em modelos B2B, promovendo mudanças importantes na indústria alimentícia.

“A produção de micoproteínas exige menos terra e água, e emite menos gases de efeito estufa que a pecuária convencional. É um sistema capaz de mitigar o desmatamento, a degradação do solo e o esgotamento de recursos hídricos”, explica Damasio.

Desafios para chegar à mesa do consumidor

Apesar do potencial, barreiras técnicas e regulatórias ainda precisam ser superadas. O alto teor de fibras e a composição nutricional distinta das micoproteínas demandam adaptações para garantir textura, sabor e funcionalidade ideais.

Além disso, segundo Gabriel Mascarin, da Embrapa Meio Ambiente, ainda faltam estudos clínicos que comprovem a biodisponibilidade de aminoácidos, os efeitos à saúde e a segurança de consumo a longo prazo.

“Do ponto de vista técnico, os obstáculos vão desde a engenharia genética das linhagens até a otimização do bioprocesso e a purificação dos produtos. A biotecnologia vem sendo aplicada para aumentar a eficiência dessas fábricas celulares”, afirma Mascarin.

Fungos crescendo em diferentes substratos em placas de petri

Ferramentas de biologia sintética e tecnologias ômicas (como transcriptômica e proteômica) têm acelerado o desenvolvimento de linhagens mais produtivas e resilientes, com foco em eficiência industrial e qualidade nutricional.

Investimentos em fermentação de biomassa – micoproteínas – superaram os de carne cultivada nos últimos cinco anos.

Complemento alimentar e segurança global

Para a pesquisadora Paula Cunha (Unicamp), a biotecnologia fúngica não busca substituir a carne, mas complementar a oferta de proteínas, diversificar a dieta e reduzir o impacto ambiental da produção de alimentos.

“Integrar micoproteínas às cadeias alimentares existentes fortalece a segurança alimentar e aumenta a resiliência frente às mudanças climáticas”, explica.

Assim, fungos podem se tornar peça-chave na construção de um sistema alimentar sustentável, nutritivo e inclusivo.

Investimentos crescentes e expansão do mercado

Nos últimos cinco anos, a fermentação de biomassa fúngica superou a carne cultivada em investimentos — € 628 milhões contra € 459 milhões —, atraindo startups e investidores. Micoproteínas de micélio, como as das empresas Quorn, Meati e Eternal, apresentam 45% a 48% de proteína, 22% a 35% de fibras, sabor neutro e textura semelhante à carne, sendo aplicadas em análogos de carne e produtos híbridos.

Foto: Divulgação (shimeji sendo produzido em arroz parboilizado para consumo)

Apesar da baixa solubilidade do micélio, que limita o uso em alimentos líquidos, empresas como a Nature’s Fynd já desenvolvem iogurtes à base de micélio.

Sustentabilidade e benefícios nutricionais

O cultivo de micélio oferece baixa emissão de CO₂, baixo uso de água e potencial de circularidade, usando subprodutos agrícolas como substrato. O mercado global de análogos de carne com micélio está avaliado em US$ 7,2 bilhões, com crescimento anual de 10,78% até 2032. O setor de substitutos de laticínios também deve crescer 13,85% ao ano, alcançando US$ 32,38 bilhões até 2032.

Nutricionalmente, as micoproteínas são ricas em aminoácidos essenciais, zinco e selênio, mas carecem de vitamina B12 e ferro. Estudos indicam benefícios na redução do colesterol, saciedade, controle glicêmico e síntese muscular — embora sejam necessários mais estudos sobre digestibilidade e alergenicidade.

Regulamentação e segurança

Produtos de micoproteína são classificados como “novos alimentos”, exigindo rigorosas avaliações de segurança. Nos EUA, a FDA aprovou o uso em 2001, mas não há diretrizes sobre ingestão diária.
Eles não são recomendados para crianças menores de três anos, devido ao alto teor de fibras e baixa densidade energética.

A seleção de cepas seguras e produtivas é essencial, e tecnologias como CRISPR/Cas9 vêm otimizando o rendimento e as características sensoriais.
Empresas como The Better Meat Co. desenvolvem produtos como a micoproteína Rhiza, utilizada em linguiças e carnes vegetais secas.

A pesquisa brasileira com proteínas oriundas de fungos

O estudo contou com a participação de pesquisadores da Unicamp, UTFPR, Embrapa Meio Ambiente, UFRJ e Universidade de Copenhague, incluindo Paula Cunha, Gabriel Mascarin, André Damasio, Juliano Bicas, Anna Rocha Pierucci e Patrícia Duque-Estrada.

O futuro da alimentação pode estar cada vez mais ligado ao reino dos fungos. Com investimentos crescentes, inovação tecnológica e pesquisas aprofundadas, as micoproteínas têm potencial para se tornarem protagonistas da nova era alimentar, reduzindo impactos ambientais e ampliando o acesso a proteínas sustentáveis em escala global.

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