Pesquisa revela que transição da pecuária para sistemas agroflorestais vegetais pode dobrar renda de produtor rural e reduzir emissões brasileiras; Estudo, coordenado pela ProVeg Brasil, será lançado no dia 14 de novembro na COP30
Um estudo coordenado pela ONG ProVeg Brasil, e realizado pela Organização Cooperativa de Agroecologia (OCA), revela uma rota de desenvolvimento rural sustentável para o Brasil. A pesquisa mostra que a transição da pecuária para Sistemas Agroflorestais (SAFs) vegetais pode aumentar a renda líquida do produtor rural em 110% por hectare. Ao mesmo tempo, essa mudança na atividade faz com que a área tenha emissões negativas de carbono, já que captura mais gases de efeito estufa do que emite — ao contrário da pecuária. Em casos excepcionais, como quando a pecuária bovina de baixa produtividade dá espaço para SAFs vegetais biodiversos, com alta renda e acesso a mercados especiais, esse aumento pode chegar a até 1525%.
As agroflorestas vegetais se mostraram potencialmente mais promissoras do que qualquer um dos tipos de pecuárias analisados (gado para corte, gado leiteiro, aves e suínos), em todos os biomas brasileiros, quando se avalia o potencial de aumento de renda para o produtor.
Apoiando a agricultura familiar, a transição para SAFs também fomenta o emprego e a diversificação da geração de renda, podendo diminuir a migração rural. A pesquisa revelou que, para cada R$1 milhão de produção anual em SAFs vegetais, são gerados 30 empregos na cadeia, ao passo que na pecuária, em média, o mesmo investimento acarreta em apenas 7.
“O Brasil não precisa escolher entre uma economia forte e a proteção climática. Nossas descobertas mostram que os SAFs vegetais são a chave para uma matriz de produção alimentar mais resiliente e justa, capaz de gerar mais valor na mesma área de terra usada hoje pela pecuária, além de regenerar áreas degradadas,” afirma Aline Baroni, diretora executiva da ProVeg Brasil, organização que liderou a pesquisa. “Essa solução passa pelo incentivo da agricultura familiar, da agroecologia, e da produção e consumo prioritários de alimentos vegetais”, completa.
Intitulado “Aumentando Renda, Respeitando o Planeta, Nutrindo Pessoas”, o relatório será lançado na Agrizone, na COP30, em Belém, no dia 14 de novembro, às 14h. O evento contará com a presença de Aline Baroni, Diretora Executiva da ProVeg Brasil; Moisés Savian, secretário de Governança Fundiária, Desenvolvimento Territorial e Socioambiental do Ministério do Desenvolvimento Agrário; Tainá Guanini, Secretária Geral e Secretária de Juventude, Meio Ambiente e Políticas Sociais da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Paraná (Fetaep) e Martin Meier, Coordenador do Programa de Pesquisa da OCA.
Pecuária levanta preocupações em meio à discussão sobre crise climática
A produção pecuária é a maior emissora de gases de efeito estufa do Brasil, bem à frente do transporte e energia, estando associada a cerca de 60% do total de emissões do país, segundo cálculos realizados com base em dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Em partes, isso se dá pela fermentação entérica de ruminantes, que emite metano, um gás que tem mais de 80 vezes o poder de aquecimento do dióxido de carbono. As emissões provenientes da fermentação entérica do rebanho bovino brasileiro são superiores à emissão total da Itália.
Além disso, de acordo com o Mapbiomas, mais de 90% do desmatamento da Amazônia foi causado pela abertura de pastos entre 1985 e 2023. O constante aumento na produção animal no país — apenas em 2024 houve uma discreta queda — está diretamente ligado à expansão territorial e ao desmatamento, seja pela necessidade de novas áreas de pastagem para o rebanho bovino, ou para áreas de monocultura de grãos usados principalmente para alimentação animal. Estima-se que cerca de três quartos da soja mundial sejam utilizados para ração animal.
A pesquisa mostra que SAFs vegetais necessitam de 12 vezes menos terra do que o gado para obter a mesma receita bruta, contribuindo para combate ao desmatamento e para a regeneração de áreas degradadas.
“20% do território nacional é pastagem, das quais 45-55% apresentam algum grau de degradação”, explica Baroni. “Se transformarmos 12% desses pastos degradados em agroflorestas vegetais, isso já contribuiria para mais de 5% de toda a meta nacional de mitigação do Brasil descrita nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) (do inglês, Nationally Determined Contributions)”, completa.
Apesar da pecuária ocupar o dobro da área comparada à agricultura, a primeira fornece apenas cerca de 37% das calorias consumidas pelos brasileiros em alimentos in natura e minimamente processados, que o Guia Alimentar para a População Brasileira indica ser a base de nossa alimentação. Em contraposição, a agricultura fornece 63% de nossas calorias, contribuindo para a segurança alimentar e para dietas mais alinhadas com os limites planetários. “Aí se vê como nossa produção de alimentos é desequilibrada. Deveríamos investir mais em atividades que, além de exigirem menos recursos como água e terra, ainda contribuem para uma alimentação diversa, saudável e acessível”, comenta Baroni.
Modelos de dieta alinhados a esses objetivos, como a Dieta da Saúde Planetária (da Comissão EAT-Lancet), recomendam que a base da alimentação seja composta por vegetais como leguminosas, cereais, vegetais, frutas, castanhas e sementes, e consumo moderado ou reduzido de alimentos de origem animal.
O relatório aponta que uma transição global para dietas predominantemente à base de vegetais poderia evitar até 15 milhões de mortes anuais e reduzir significativamente as emissões agrícolas e a pressão sobre os ecossistemas. De acordo com o estudo, os sistemas alimentares são hoje o principal vetor de transgressão para cinco dos seis limites planetários que já foram ultrapassados — incluindo mudança do uso da terra, integridade da biosfera, fluxos biogeoquímicos e emissões de gases de efeito estufa — e, ao mesmo tempo, falham em garantir acesso universal a dietas saudáveis.
No Brasil, apesar do Guia Alimentar para a População Brasileira também indicar a priorização de alimentos de origem vegetal em grande variedade, o consumo de produtos de origem animal excede as recomendações de saúde pública, sendo a alimentação inadequada um dos principais fatores associados às Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs), a principal causa de morte no país.
Políticas públicas e financeiras devem alavancar a transição para Sistemas Agroflorestais
Para que os SAFs vegetais atinjam sua escalabilidade plena e substituam efetivamente o modelo atual, o relatório sublinha a necessidade de uma ação coordenada. “A agenda da transição depende de uma sinergia efetiva, construída entre tomadores de decisão, cientistas, agentes de extensão e os próprios agricultores, permitindo que os SAFs vegetais deixem de ser uma alternativa secundária para se tornarem uma prioridade no desenvolvimento rural sustentável”, defende Baroni.
Do lado público, a ProVeg Brasil propõe que a transição para agroflorestas vegetais seja elevada a uma política social, agrária, alimentar e climática prioritária, obtendo mais recursos de programas como o Pronaf e no fortalecimento da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) especializada. O estudo insta a criação de uma estratégia política clara entre os ministérios para conciliar a produção de alimentos saudáveis e adequados com a urgência da mitigação climática e a regeneração ambiental.
“O setor financeiro também tem um papel transformador indispensável. Com restrições ao crédito para projetos da pecuária em áreas de desmatamento, a transição para agroflorestas vegetais surge como um canal para onde o financiamento pode ser direcionado, de forma que bancos públicos e privados façam sua parte no combate à crise climática”, sugere Baroni. Atualmente, a expansão dos SAFs é dificultada por questões institucionais e financeiras, como o acesso desigual ao crédito e a dificuldade das instituições em gerenciar e avaliar projetos agroecológicos.
Projeto piloto de transição da pecuária para Sistemas Agroflorestais está sendo realizado no Paraná
No município de Ortigueira, no Paraná, um produtor familiar iniciou a transição da pecuária para sistemas agroflorestais vegetal em um projeto piloto da ProVeg Brasil. O Projeto Cultiva está oferecendo suporte técnico gratuito para o produtor trocar, gradualmente, o gado leiteiro e de corte por uma agrofloresta em que produzirá feijão, milho, banana, melancia, mamão e abóbora, que abastecerão as cantinas escolares da região. Em alguns anos, terá início a produção de café e erva-mate. Um trabalho de reflorestamento, por meio do plantio de mudas de árvores nativas da Mata Atlântica, também está sendo realizado, como parte fundamental do sistema agroflorestal.
“Em diagnóstico, observamos que a produção animal não trazia rentabilidade ao produtor, e implicava em limitações como falta de diversidade alimentar e agrícola, autonomia limitada e perda de qualidade de vida”, conta Baroni. “A expectativa é que a produção vegetal gere renda mais de 10 vezes superior à dos animais já no primeiro ano de transição”, celebra.
O plano de transição para Sistemas Agroflorestais foi elaborado em colaboração direta entre ProVeg Brasil e o produtor, também contando com contribuições importantes da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Paraná, e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ortigueira. O plantio começou no mês de outubro de 2025 e as primeiras sementes já começaram a brotar.
“Esse piloto demonstrará, na prática, a viabilidade e benefícios econômicos e técnicos da transição da pecuária para agroflorestas vegetais, inspirando políticas públicas que impulsionem de forma mais ampla uma agricultura mais justa e sustentável”, explica Baroni.
Mesa redonda de lançamento na COP30
Data: 14 de novembro de 2025
Horário: 14h
Local: Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), no espaço Agrizone (Auditório MDA), em Belém
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