Como a “década de ouro” das commodities mascarou a ineficiência e levou o campo a uma crise de liquidez sem precedentes
O agronegócio brasileiro alimenta o mundo e sustenta uma parcela significativa da economia nacional. No entanto, por trás dos números superlativos de safras e exportações, cresce um fantasma que assombra o campo: o endividamento. O setor que em 2024 alcançou um PIB de R$ 2,7 trilhões, representando 23,2% da economia brasileira, vive uma dualidade gritante.
De um lado, a imagem de riqueza e pujança; do outro, um aumento recorde no número de produtores que buscam recuperação judicial. Afinal, o agro está rico ou apenas vivendo de uma aparência financiada?
A “Década de Ouro” e a Ressaca da Eficiência
Analistas e produtores experientes definem o período entre 2010 e 2020 como a “década de ouro” do setor. Essa fase, impulsionada por preços de commodities em patamares recordes — como a soja negociada a R$ 150 ou R$ 170 a saca — pode ter criado uma ilusão perigosa, distante do “agro real”.
A percepção no campo é que a maré alta de preços escondeu problemas de gestão, custos elevados e investimentos feitos sem uma análise de risco aprofundada. Com margens tão folgadas, a mentalidade era a de que “qualquer coisinha que fazia dava dinheiro”. Isso levou a uma expansão agrícola muitas vezes baseada mais na oportunidade do que na viabilidade técnica, abrindo áreas de maior risco com a justificativa de que “com soja a R$ 150, tudo viabiliza”.
O problema chegou com a “normalização” do mercado. A queda abrupta nos preços das commodities, combinada com a manutenção dos custos de produção em patamares elevados (diesel, fertilizantes, maquinário), espremeu a margem de lucro a um nível crítico. O “agro real”, descrito por muitos como uma atividade historicamente de margens apertadas e dependente de subsistência, voltou a bater à porta.
Os Números do Endividamento Falam Mais Alto
A percepção de crise não é apenas uma impressão. Dados de mercado confirmam o aperto financeiro de forma alarmante.
Segundo um levantamento da Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial (RJ) no agronegócio dispararam 138% em 2024 em comparação com o ano anterior. O dado mais revelador está no perfil de quem pede ajuda: o aumento mais expressivo veio dos produtores rurais pessoa física, com uma alta de quase 350% nas solicitações.
Isso significa que a dificuldade saiu da esfera das grandes agroindústrias e atingiu em cheio o fazendeiro.
Embora a inadimplência total (dívidas vencidas) do setor, medida pela Serasa, tenha se mantido relativamente estável (oscilando entre 7,6% no final de 2024 e 7,9% no primeiro trimestre de 2025), o salto nos pedidos de RJ indica uma crise de fluxo de caixa. O produtor não está necessariamente “quebrado” em patrimônio (suas terras valem muito), mas está sem dinheiro para pagar as contas da safra.
A Conta Que Não Fecha: Custo vs. Preço
A matemática da lavoura em 2024 e 2025 é cruel. Estudos do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) e de outras consultorias, como a Aegro, ilustram o “ponto de equilíbrio” (breakeven) do produtor.
- Custo: Mesmo com uma queda nos preços dos fertilizantes, o custo de produção da soja na safra 2024/25 em Mato Grosso, por exemplo, ficou em média R$ 7.118,38 por hectare.
- Receita: Com a produtividade média projetada (cerca de 58 sacas/hectare) e o preço da soja (próximo de R$ 100-R$ 105), a receita estimada pelo Imea foi de R$ 6.507,98 por hectare.
O resultado é um déficit de R$ 610,40 por hectare. O produtor, em muitas regiões, literalmente pagou para plantar.
O que muitos especialistas apontam é que, na euforia dos preços altos, o cálculo de custo real foi negligenciado. Custos como depreciação de maquinário, manutenção, impostos e encargos trabalhistas muitas vezes não entram na “conta de padaria” que define o custo de produção, gerando uma falsa sensação de lucratividade que agora desmorona.
Riqueza de Patrimônio, Pobreza de Caixa
Respondendo à pergunta inicial: o agro brasileiro é, de fato, um setor multibilionário. A riqueza é real e está lastreada em ativos (terra), tecnologia e na capacidade de produção em escala global.
No entanto, o produtor rural na ponta da lança vive, historicamente, com a corda no pescoço. A “aparência” de riqueza foi inflada por uma década atípica que agora cobra seu preço. O endividamento atual é o resultado direto da queda de preços contra custos que não caíram na mesma proporção.
O agro não é “só aparência”, mas sua riqueza de patrimônio convive com uma pobreza crônica de fluxo de caixa. A era da complacência, alimentada pela década de ouro, parece ter chegado ao fim. Hoje, mais do que nunca, a máxima que ecoa no campo é uma só: “Sem eficiência, o agro não sobrevive!”
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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