Lideranças alertam que a imagem “gourmetizada” do campo nas redes sociais cria uma visão irreal de um setor movido por desafios, incertezas e trabalho árduo, podendo comprometer a sucessão familiar
Uma postagem no Instagram: o sol se põe dourado sobre uma colheitadeira de última geração, pilotada por um jovem de camisa limpa. Um vídeo no TikTok: closes de grãos perfeitos caindo em câmera lenta. Essa é a imagem do agronegócio que viraliza, a narrativa do sucesso constante, da tecnologia impecável e de um estilo de vida que parece mais um retiro de luxo do que uma rotina de trabalho. No entanto, por trás do brilho da tela, uma preocupação crescente toma corpo entre quem vive a realidade do campo: essa glamourização pode estar afastando os jovens do verdadeiro agro.
O alerta foi verbalizado de forma contundente durante um debate recente com o Fernando Cadore, presidente da Cooprosoja, no qual um produtor rural desabafou sobre o que considera uma distorção perigosa. “A gente vive uma glamourização da agricultura nos últimos tempos que não é a agricultura de fato“, afirmou ele. “Não é a agricultura de rede social, de tirar uma foto numa máquina com cabine que não existia algum tempo atrás e achar que aquilo é agricultura.” Siga a leitura e acompanhe o Compre Rural, aqui você encontra informação de qualidade para fortalecer o campo!
Para ele, a realidade é tecida com elementos bem menos fotogênicos. “Agricultura é o solo, é o dia a dia, é a frustração, é não colher“, detalha. A rotina do produtor, segundo ele, é marcada pela incerteza e pelo sacrifício pessoal, longe dos feriados e fins de semana convencionais. “É entender que o sábado não existe, o domingo não existe. O seu carnaval não é o carnaval, o seu aniversário não importa.”
Cadore se mostra igualmente preocupado com a imagem distorcida que pode estar sendo absorvida pelas novas gerações. Para ele, o risco mais iminente é o impacto direto na sucessão familiar, um dos pilares para a sustentabilidade do agronegócio brasileiro.
Quando o jovem, filho ou neto de produtor, é exposto a uma versão “gourmet” do campo, ele pode criar uma expectativa que se choca violentamente com a realidade. A vida no campo exige resiliência para enfrentar a imprevisibilidade do clima, a volatilidade dos preços e a pressão de ser um “tomador de custo”, como define o produtor no vídeo: “Eu sei quanto que eu vou gastar, não sei se vou colher e a quanto vou vender minha mercadoria“.
A frustração de não encontrar o “glamour” prometido pode levar ao desinteresse e, em última instância, ao abandono do legado familiar, buscando profissões urbanas com rotinas mais previsíveis e menos sacrificiais.
O desafio da comunicação autêntica
O problema, segundo especialistas e lideranças como Cadore, não está em comunicar o agro, mas em como ele é comunicado. A tecnologia, a gestão e as conquistas do setor são, sem dúvida, admiráveis e devem ser mostradas. Contudo, omitir as dificuldades é prestar um desserviço àqueles que o setor mais precisa atrair: os jovens.
A comunicação, para Cadore, é precisamente a ferramenta para corrigir esse rumo. É preciso mostrar a vida no campo de forma integral, equilibrando as vitórias da colheita com os desafios da semeadura, a modernidade das máquinas com o trabalho manual e a gestão complexa que envolve cada safra. É necessário retratar o produtor não como um mero operador de máquinas, mas como um empreendedor que assume riscos diários, um gestor que precisa entender de finanças, logística e biologia simultaneamente.
A verdadeira força do agro não reside na perfeição de uma foto, mas na capacidade de persistir apesar das adversidades. Para garantir que a próxima geração esteja pronta para assumir o comando, ela precisa se apaixonar pela jornada completa, com toda a sua complexidade, suor e, sim, com a beleza real que existe na lida diária. Afinal, o futuro do campo não será cultivado por filtros, mas por mãos que não têm medo de se sujar de terra.
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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