O preço do gado fantasma: como a falta de controle destrói o lucro das fazendas

Diferenças de inventário, fechamentos mensais mal feitos e rebanhos ‘de papel’ têm custado milhões ao produtor, revelando que disciplina e gestão são hoje tão essenciais quanto genética e nutrição.

Por Otacílio Escobar* – Durante muito tempo, a pecuária foi tocada na base do caderno, da memória do capataz e de um “chute” sobre o tamanho do rebanho. Em muitas fazendas, essa lógica ainda persiste: investe-se em genética, nutrição e tecnologia, mas o número mais básico, quantos animais realmente existem e em que categoria estão, continua impreciso. É aí que começam os problemas de planejamento, de caixa e de resultado. Quando o estoque de gado não é confiável, todo o resto perde a confiabilidade. O produtor até olha para indicadores, DRE e fluxo de caixa, mas trabalha apoiado em um rebanho “de papel”, diferente do que está no pasto.

Nessa condição, perguntas como “qual a recomendação para o fechamento mensal?”, “basta um inventário anual?”, “todos os animais tem que passar no curral?” ou “com que frequência devo pesar?” deixam de ser detalhes operacionais e passam a ser definidoras da saúde do negócio.

A boa notícia é que as respostas não são complexas, desde que exista disciplina. Um fechamento mensal bem estruturado, combinado com rotinas claras de inventário e pesagem, é suficiente para alinhar o número de animais às planilhas e às projeções financeiras. Quando o rebanho é conferido com método, as entradas e saídas deixam de ser “achismo” e passam a ser informação confiável, capaz de sustentar o planejamento técnico, econômico e estratégico.

Fechamento mensal: rotina que revela a verdade do rebanho

O fechamento de estoque é mais do que contar bois. É mensurar o resultado de tudo que foi feito ao longo do mês, é como um extrato da sua conta bancária. Ele precisa incluir todas as entradas (nascimentos, compras, transferências) e saídas (vendas, mortes, consumo interno e transferências externas) por categoria animal, partindo sempre de um estoque inicial confiável.

Essa rotina, conduzida pelo capataz e validada pela gestão, evita o erro mais comum na pecuária, que é “achar” que sabe o tamanho do rebanho.

Quando os números do campo não batem com o sistema, o produtor perde a capacidade de comparar, planejar e agir com eficiência.

Como diz William Edwards Deming, “o que não se mede, não se gerencia”.

E o fechamento mensal do estoque é a medida que revela a verdade do negócio, e não o que se imagina, mas o que de fato está acontecendo.

Em um levantamento recente feito pela Trilha Pecuária Inteligente & Gestão em uma propriedade, houve uma diferença de inventário de 100 animais (entre o que tinha no controle vs o que realmente tinha no pasto, após contagem individual de todo o rebanho) gerou uma distorção de mais de R$ 200 mil no resultado anual. O motivo é simples: no DRE, o custo de produção por animal foi calculado sobre um rebanho maior que o real, no fluxo de caixa, as previsões de venda estavam superestimadas e no estoque patrimonial, o ativo pecuário aparecia inflado. Ao final, o EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ficou negativo, não porque a fazenda produziu mal, mas porque mediu errado.

Controle de gado é também controle de caixa

O fechamento mensal é o que alimenta o planejamento financeiro. Quando as movimentações do rebanho são acompanhadas mês a mês, o gestor tem um retrato fiel do negócio, evitando que o fluxo de caixa se desconecte da realidade produtiva. Em uma fazenda com controle falho, cada animal “fantasma” pode representar uma distorção de milhares de reais nas projeções financeiras. Um caso prático ilustra bem: na safra 24/25, uma fazenda com controle de estoque falho projetou R$ 9,6 milhões em receita pecuária. Após o inventário físico, constatou-se um déficit de 300 animais que seriam destinados à engorda. O resultado foi uma perda estimada de mais de R$ 1,3 milhão em receita que nunca existiu, mas havia sido orçada no fluxo de caixa. Esse tipo de erro, é comum em propriedades sem fechamento mensal disciplinado, distorce o planejamento e compromete decisões estratégicas, como compra de insumos, investimentos e até renegociação de dívidas.

No cenário oposto, fazendas que mantem fechamentos mensais eficientes conseguem antecipar necessidades de capital, equilibrar o ciclo entre entrada e saída de recursos e tomar decisões com base em dados reais. O fluxo de caixa, nesse contexto, deixa de ser uma ferramenta contábil e passa a ser um instrumento de gestão estratégica, traduzindo o desempenho produtivo em resultados financeiros.

Com base nesses dados financeiros e zootécnicos integrados, o próximo passo da gestão é planejar, prever o que virá e mensurar seus impactos

Planejar é prever movimentações e medir seus impactos

Toda fazenda precisa planejar nascimentos, compras, mortes e vendas, e isso só é possível com base em estoque atualizado. Sem esse dado, o gestor não consegue estimar: quantas fêmeas estão aptas para reprodução, quantos bezerros serão desmamados, quantos bois serão confinados e consequentemente quantos serão vendidos de fato.

Essas informações são a base do planejamento econômico da fazenda, pois sustentam as projeções de receita, custo e margem. Como demonstram os quadros de DRE e fluxo de caixa, o rebanho está no centro de quase todas as movimentações financeiras do negócio rural. Por isso, manter o controle de gado atualizado é essencial para garantir a coerência entre os números produtivos e os resultados financeiros.

Cultura de gestão – de fazendas amadoras a empresas rurais

O fechamento mensal representa disciplina de gestão e cria uma cultura de responsabilidade compartilhada.

No campo, o capataz garante que os dados físicos estejam certos. No escritório, a controladoria cruza as informações, ajusta o caixa e confere o impacto sobre o resultado. Essa integração transforma dados em decisões e a fazenda em uma empresa rural. Quando o controle de gado é tratado como rotina burocrática, a fazenda continua “no modo sobrevivência”: reagindo a problemas, apagando incêndios e dependendo do saldo bancário do dia. Mas quando o fechamento mensal vira parte do processo de gestão, a fazenda se comporta como uma empresa, capaz de projetar fluxo de caixa, avaliar margens e medir retorno sobre capital investido.

Na prática, o fechamento mensal é o relatório de saúde da fazenda. Ele mostra se o rebanho está crescendo, se há gargalos no desempenho e se o negócio está realmente gerando riqueza, e não apenas movimentando dinheiro.

Indicadores que traduzem resultado

O controle do fluxo de caixa só ganha sentido quando é traduzido em indicadores de desempenho. São eles que permitem enxergar se a fazenda está crescendo, apenas girando capital ou destruindo valor. Métricas como receita por hectare, custo por arroba produzida e margem operacional revelam, com precisão, a eficiência do sistema produtivo.

Fazendas com controle financeiro consistente sabem quanto custa produzir uma arroba e qual retorno cada categoria animal entrega ao caixa. Quando o gestor entende que o boi é apenas o resultado de um processo financeiro e zootécnico, ele passa a gerenciar a fazenda como uma empresa, e não apenas como um rebanho.

Por exemplo, uma propriedade que domina seus números sabe que a variação de 3% no custo alimentar pode reduzir a margem em até 10%, dependendo da escala. Da mesma forma, entender o peso médio de venda e o custo operacional total permite projetar cenários de rentabilidade antes mesmo de tomar decisões como confinamento, suplementação ou venda antecipada.

Antônio Chaker (2019) destaca que “a eficiência da pecuária está em transformar recursos em arrobas com o menor custo possível”, enquanto Vicente Falconi (2004) reforça que “gestão é atingir resultados de forma sistemática, baseada em indicadores e processos bem definidos”. Na prática, ambos convergem para a mesma ideia: sem dados, não há gestão, e sem gestão, não há lucro.

Quando o fechamento mensal alimenta o fluxo de caixa e este, por sua vez, retroalimenta os indicadores de desempenho, a fazenda passa a operar em ciclo de melhoria contínua. O gestor não reage aos fatos, ele os antecipa. Planeja compras, ajusta a lotação, faz previsão do capital de giro necessário e garante que cada decisão tenha reflexo positivo no resultado.

No fim das contas, o lucro da fazenda não nasce no curral, mas no planejamento. É o controle de estoque, aliado à disciplina financeira, que transforma informação em rentabilidade e permite à pecuária competir em patamar empresarial.

Quando os números conversam, a gestão deixa de ser intuitiva e passa a ser científica, e é nesse ponto que o controle vira resultado.

O sucesso de uma fazenda não está apenas na genética, no pasto ou na nutrição, mas na capacidade de transformar dados em decisões. Controlar o rebanho e fechar o caixa mensalmente não é burocracia, é estratégia. O fluxo de caixa é o espelho da fazenda: revela se a produção gera riqueza ou apenas movimenta recursos. O estoque é o coração do sistema, o fluxo de caixa é o pulso que o mantém vivo. Quando ambos batem no mesmo ritmo, o resultado é lucro sustentável e gestão profissional.

Otacílio Escobar é consultor técnico na Trilha Pecuária

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