País precisa de US$ 64 bilhões nos próximos anos para recuperar pastos

“A recuperação de pastagens é uma das grandes transformações do setor e vem crescendo ano após ano. E ela vai acontecer via iniciativa privada”.

Em menos de 30 anos, o mundo terá quase 10 bilhões de habitantes, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 30% a mais do que hoje, e a grande pergunta é como será possível alimentar toda essa gente sem causar ainda mais danos ao meio ambiente. Uma das alternativas apontadas pelos especialistas é a recuperação de pastos, uma forma de melhorar a produtividade da pecuária, evitando novos desmatamentos.

Com 80 milhões de hectares de pastagens degradadas, um dos maiores passivos globais, o Brasil é candidato a ser a locomotiva dessa mudança, desde que haja coordenação política, maior oferta de financiamentos e visão de futuro, apontam os experts.

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Estima-se que sejam necessários pelo menos 400 milhões de hectares de novas pastagens e 165 milhões de hectares de produção agrícola no mundo para atender à demanda global de alimentos até 2050.

“A recuperação de pastagens é uma das grandes transformações do setor e vem crescendo ano após ano. E ela vai acontecer via iniciativa privada, independentemente do governo. O produtor vê o vizinho melhorar de vida, com maior produtividade do rebanho, e também começa a adotar essa prática”, diz Marcos Jank, coordenador do centro Insper Agro Global, que avalia que instrumentos financeiros como créditos de carbono e pagamento por serviços ambientais também vão contribuir para essa transformação já que a pressão contra o desmatamento continua aumentando.

Como recuperar um hectare custa cerca de US$ 800, a estimativa de investimentos para o país seguir nessa trilha e recuperar esse passivo chega a US$ 64 bilhões nos próximos anos. Hoje, o Brasil tem 154 milhões de hectares de pastagens, mas essa área já chegou a quase 180 milhões.

Com a adoção de melhoria genética, recuperação de pastagens e novas tecnologias o rebanho bovino só aumentou e, atualmente, é o maior do mundo com 218,2 milhões de cabeças.

O crescimento da pecuária brasileira baseado em ganhos de produtividade também se reflete no nosso volume de exportações. O Brasil tem sido o maior país exportador de carne bovina nos últimos cinco anos consecutivos.

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Resgatar a qualidade do solo é um processo que exige adubação adequada e correção de falta de nutrientes como cálcio, potássio ou fósforo. Isso melhora a qualidade da grama que forra a área, é possível colocar mais bois na mesma área, e a produção de carne aumenta até oito vezes em relação ao pasto degradado. São técnicas usadas em todos os países, mas no Brasil foram “tropicalizadas’, por conta de solos mais ácidos e com alumínio tóxico.

Embora o assunto seja vital para a segurança alimentar, ainda não existe uma política pública no Brasil específica para o tema. No governo federal, o tema recuperação de pastagens está incluído numa agenda mais ampla, chamada de plano ABC, que prevê a adoção de tecnologias “de produção sustentáveis, que reduzam as emissões de gás de efeito estufa no setor agropecuário”.

De 2010 a 2020, primeira etapa do plano ABC, o país recuperou 26 milhões de hectares de pastagens degradadas dos 15 milhões que eram previstos, informou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Na nova fase, o plano ABC+, a estimativa é recuperar 30 milhões de hectares.

“No início do Plano ABC não houve muita adesão. A burocracia e a dificuldade de obter crédito atrapalharam. E o pecuarista ainda tem um perfil resistente e o pasto não é enxergado como uma cultura. Tem tradição extrativista. Mas depois, a aceitação aumentou”, conta Gustavo Braga, pesquisador da Embrapa.

O financiamento para a recuperação de pastagens ainda é um dos gargalos, apontam os especialistas. No Plano Safra 2022/2023, programa federal que destinou mais de R$ 340 bilhões em recursos para custeio e investimento no setor, apenas R$ 6 bilhões foram direcionados para recuperação de pastagens, ou 1,7% do total.

O pecuarista Antonio Pitangui de Salvo conta que para voltar a ter um pasto de alta produtividade fez um verdadeiro “exame de sangue” na terra. Pobre em nutrientes, o solo ganhou fósforo, cálcio, potássio e a gramínea voltou a ficar vigorosa. Já recuperou cerca de 2 mil hectares de sua propriedade na cidade de Curvelo, em Minas Gerais.

Pitangui também está adotando uma técnica que integra o pasto e a floresta. Com eucaliptos na pastagem, ele também melhora a qualidade do solo e aumenta o sequestro de carbono. “Numa área onde eu tinha 500 cabeças de gado, hoje tenho 1,5 mil”, conta Pitangui.

Na cidade de Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul, o pecuarista Ruy Fachini reduziu 10% de seus 4,5 mil hectares destinados à pecuária e arrendou essa área para a agricultura. Numa parte do ano produz soja e milho e na outra parte essa terra volta a ser pasto. É a chamada integração agricultura/pecuária, que também melhora a qualidade do pasto.

“Antes tinha 0,5 meio boi por hectare. Agora são quatro. Esse sistema acaba sendo autossustentável em termos financeiros, no longo prazo, além de evitar novos desmatamentos” diz Fachini.

Na cidade de Corumbá, Mato grosso, no bioma Pantanal, o pecuarista Eduardo Cruzetta trabalha para ter uma produção de carne sustentável. Numa região com problemas de logística, ele não consegue fazer a recuperação das pastagens com aporte de insumos ou integração pecuária/lavoura/floresta.

Ali, é usado um sistema manejo de pastos. Em resumo, uma área é usada intensamente, com muitos animais, e depois passa até 36 dias descansando para se recuperar. Os animais são transferidos para outra área, num sistema de rodízio. Esse manejo permite aumentar entre 30% e 50% a produção de carne por hectare.

“Além disso, a Embrapa Pantanal desenvolveu uma adubação biológica, específica para a região” diz Cruzetta, que lembra foi criada uma associação que reúne 70 grupos de produtores no Pantanal, com 1 milhão de hectares onde são criadas 500 mil cabeças de gado, que usa essas técnicas e busca a certificação de sustentável.

O levantamento das pastagens degradadas no país está registrado no Atlas das Pastagens no Brasil produzido pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG), e que faz parte do MapBiomas, iniciativa que reúne universidades, ONGs e empresas de tecnologia.

O mapeamento por satélite mostrou queda nas áreas com sinais de degradação de 70% em 2000 para 53% em 2020. No caso das pastagens severamente degradadas houve uma redução ainda mais expressiva. Elas representavam 29% das pastagens em 2000 e agora representam 14%.

“O futuro do país passa pela bioeconomia. A vocação é sermos uma potência na produção de alimentos de forma sustentável. Por isso, a recuperação de pastagens é estratégica, urgente e envolve bilhões”, diz Laerte Guimaraes Ferreira Junior, professor da UFG e coordenador do Lapig.

Fonte: Agência O Globo
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