Em um movimento que desafia décadas de agricultura industrial, um consórcio liderado pela Whole Foods e pela Mad Agriculture aposta que a biodiversidade é a chave para a resiliência do setor
As colinas da “Driftless Area” de Wisconsin, nos EUA, uma região de vales íngremes que escapou das geleiras da última era glacial, estão se tornando o laboratório de uma revolução agrícola. Um consórcio de mais de 20 empresas do setor de alimentos, incluindo gigantes como Whole Foods, Oatly e UNFI, uniu-se à organização sem fins lucrativos Mad Agriculture para financiar um projeto de US$ 1 milhão (R$ 5,7 milhões) que rasga o manual da agricultura moderna.
O projeto, batizado de “Wilding” (ou “Reassentamento Selvagem”), irá transformar mais de 400 hectares de terras agrícolas degradadas de volta em pastagens nativas nos próximos três anos.
O objetivo não é criar uma reserva natural intocada, mas sim uma “paisagem produtiva” onde a agricultura comercial e a vida selvagem possam coexistir e prosperar juntas.
Durante décadas, a regra de ouro do agronegócio foi clara: para ter sucesso, a fazenda deve manter a natureza do lado de fora. A biodiversidade era vista como ameaça, um vetor de pragas e ervas daninhas.
“Essa parceria reflete o tipo de ação ousada que o Wilding foi criado para inspirar”, afirma Elizabeth Candelario, diretora de estratégia da Mad Agriculture. “É um investimento nos sistemas vivos que tornam possível a produção de alimentos saudáveis.”
A Ciência da pradaria
A iniciativa baseia-se em pesquisas sólidas. Omar de Kok-Mercado, diretor do projeto na Mad Agriculture, coordenou anteriormente pesquisas na Universidade Estadual de Iowa (programa STRIPS) sobre o impacto de plantar faixas de pradaria nativa entre as fileiras de milho.
Os resultados foram impressionantes: em alguns testes, o escoamento de sedimentos (erosão) caiu 95%, enquanto o número de espécies de aves e polinizadores dobrou.
A ciência determinou que as fazendas precisam de cerca de 20% a 25% de habitat natural para que o ecossistema funcione. Sem isso, o sistema entra em colapso: as abelhas somem, os predadores naturais de pragas desaparecem e a fertilidade do solo se esvai.
Não é caridade, é negócio
O que torna o “Wilding” atraente para os agricultores não é apenas o apelo ecológico, mas o potencial de lucro. De Kok-Mercado explica que a lógica é plantar a pradaria em áreas “marginais” — cantos pedregosos, encostas íngremes ou faixas sujeitas a enchentes — onde os agricultores já perdem dinheiro tentando cultivar.
Uma vez estabelecida, a pastagem nativa praticamente não exige manutenção e pode se tornar uma nova fonte de receita. “Os agricultores poderiam arrendar as pastagens para pastoreio”, explica ele, observando que o gado ganha peso facilmente nessas áreas. “Arrendamentos para caça também são possíveis”, completa.
O modelo também é visto como uma porta de entrada para uma nova geração. Jovens agricultores, sem capital para comprar terras caras, poderiam “cultivar a pradaria como uma cultura agrária”, gerenciando essas áreas restauradas e construindo um negócio em torno delas.
O Futuro: A “Rede Selvagem”
Embora o piloto em Wisconsin seja um teste de três anos, a visão de De Kok-Mercado se estende por 50 anos: a criação de uma “Wild Grid” (Rede Selvagem). Ele imagina 26 milhões de hectares de corredores de vida selvagem conectados por todo o país, um projeto que ele chama de “o próximo grande projeto de infraestrutura da América”.
Para os patrocinadores corporativos, o investimento é uma aposta na resiliência da cadeia de suprimentos.
“Na Whole Foods, acreditamos que o futuro dos alimentos depende de ecossistemas saudáveis“, disse Caitlin Leibert, vice-presidente de sustentabilidade da empresa. “A perda de biodiversidade é uma das maiores ameaças à agricultura. Sem natureza, não há agricultura, nem alimento.“
O projeto em Wisconsin é o primeiro passo para testar se a agricultura pode parar de lutar contra a natureza e, em vez disso, lucrar com ela.
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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