Pecuária de precisão é o caminho para a sustentabilidade?

Melhorar as condições de saúde, por exemplo, leva a uma redução de custos com medicamentos, melhorando o bem-estar animal

A sustentabilidade vem ganhando cada vez mais holofotes em diferentes aspectos da sociedade – e não seria diferente na pecuária. Ela tem sido motivo de preocupação e atenção, o que estimula a procura por soluções e melhorias voltadas para a sustentabilidade na produção animal.

Embora seja relacionada, na maioria das vezes, apenas à questão ambiental, a sustentabilidade possui três pilares igualmente importantes: meio ambiente, sociedade e economia. Portanto, para que um sistema seja sustentável, ele deve visar e ser eficiente nestes três aspectos.

Por ocupar o palco principal dos últimos tempos, esforços têm sido direcionados na busca por formas de produção mais sustentáveis, sendo uma das possíveis soluções a pecuária de precisão.

Esse conceito refere-se a tecnologias e ferramentas que auxiliam o produtor rural no gerenciamento da sua propriedade a partir da automatização, monitoramento e controle em tempo real do gado, da produção e do ambiente. Uma das ferramentas mais utilizadas são os sensores, que possibilitam a coleta de dados e suas análises, permitindo o entendimento e a previsão em relação ao comportamento, saúde e bem-estar animal.

A pecuária de precisão busca solucionar alguns problemas enfrentados pela produção animal, portanto, para discutir essas novas tecnologias, é necessário entender os principais desafios enfrentados atualmente pelo setor. Nos últimos tempos, as pequenas propriedades têm encontrado dificuldade em se manter na atividade, levando a uma redução do número de fazendas pequenas. Os desafios que prejudicam sua manutenção na atividade são principalmente a ausência de escala econômica e possibilidades de exportação. Como consequência da redução do número de pequenas propriedades, há o aumento das grandes fazendas, favorecidas por possuírem grande quantidade de terra disponível para cultivo e um grande número de animais.

Os aumentos da saída de pequenos produtores, do tamanho das fazendas que se mantêm na atividade, e, portanto, do número de animais por fazenda, diminuem a atenção e o cuidado individual com os animais devido ao aumento da dificuldade em monitorá-los. Essa tendência revela a importância da pecuária de precisão por possibilitar o monitoramento efetivo dos animais individualmente, uma criação mais adequada e a produção de alimentos seguros. Porém, a importância dessas tecnologias não é limitada apenas ao controle dos animais, ela também permite uma avaliação e redução do impacto ambiental devido à utilização eficiente dos alimentos e nutrientes, notificação precoce de doenças, garantias de bem-estar animal e redução da emissão de poluentes para o ar, solo e água.

Embora haja aumento do interesse dos consumidores sobre a forma de produção e a qualidade dos alimentos produzidos, os produtores focam principalmente na produção, pois ela é sua fonte de renda e o retorno financeiro determina sua manutenção na atividade.

É importante ressaltar que a atividade pecuária leiteira possui uma estreita margem de lucro e grande quantidade de tarefas a serem realizadas pelos produtores ao longo do dia. Logo, se manter na atividade é um desafio cada vez mais presente no cotidiano do produtor, portanto, se não há incentivo em relação a mudanças na forma de produzir, dificilmente é viável para ele voltar-se para questões ligadas à sustentabilidade, principalmente ambiental. Contudo, com a evidência de que animais em bem-estar possuem maior produtividade, por exemplo, produtores passaram a voltar o olhar para essa questão, por ser algo que afeta diretamente o negócio e a rentabilidade.

A pecuária de precisão é uma ótima aliada para minimizar ou solucionar desafios enfrentados na criação de animais; porém ainda possui uma baixa aceitação por parte dos produtores. Isso evidencia que é necessário se atentar às lacunas destas tecnologias, entender a razão da baixa adesão e, além de melhorá-las, direcioná-las para as reais necessidades dos produtores.

Os principais problemas relatados em relação a estas ferramentas são a grande quantidade de informações geradas a partir de diferentes ferramentas que não se comunicam, a falta de confiança nas informações que levam a tomada de decisões incorretas, e a falta de clareza e sucintez na análise dos dados.

Essas ferramentas também são ótimas escolhas para auxiliar a tornar a produção de leite mais sustentável. A detecção precoce de doenças, por exemplo, permite a intervenção clínica antes da disseminação da doença para outros animais do rebanho, reduzindo o período não produtivo dos animais, a utilização de medicamentos, os resíduos lançados no ambiente e a resistência de patógenos. Outras ferramentas podem também auxiliar de forma mais direta as sustentabilidades ambiental e social por monitorar as emissões de gases ao meio ambiente e outros parâmetros.

A sustentabilidade ambiental é comumente avaliada através da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), sistema mais utilizado mundialmente para esse tipo de análise. Nele são levantados dados de todas as fases do ciclo de vida do produto, ou seja, de todas as etapas de produção e uso do produto (obtenção de insumos, produção propriamente dita, distribuição aos consumidores e disposição final). Porém, nenhum estudo comparou, através da ACV, sistemas com e sem a adoção de pecuária de precisão.

Os estudos existentes analisaram a adoção e monitoramento através de instrumentos e modelos de previsão que permitem entender o avanço que vêm acontecendo, e mostraram que a pecuária de precisão reduz os riscos da produção e os efeitos ambientais, como emissões de poluentes no ar, solo e água.

Um deles avaliou a introdução de tecnologias da pecuária de precisão e os benefícios alcançáveis em relação às mudanças climáticas, acidificação, eutrofização e outros efeitos ambientais, e observaram redução de ocorrência de problemas de saúde animal e, consequentemente, maior estabilização do nível da produção de leite e diminuição do uso de medicamento. Porém estes benefícios não foram quantificados através de métodos específicos de sustentabilidade.

Dentre os outros dois pilares, que são igualmente importantes para a sustentabilidade da atividade, como já mencionado anteriormente, a sustentabilidade econômica é a base para que qualquer empreendedorismo seja iniciado e mantido na atividade.

A sustentabilidade social é, portanto, a que mais recentemente vem ganhando importância, especialmente na perspectiva dos consumidores. Ela dá espaço para os direitos dos produtores e funcionários e suas qualidades de vida e de trabalho, e maior zelo em relação à saúde pública através de alimentos mais seguros e menor utilização de medicamentos.

Não é difícil ouvir sobre o efeito da agropecuária nas mudanças climáticas, porém pouco se fala no grande aumento da vulnerabilidade que as mudanças climáticas causam nas atividades da agricultura e da pecuária. Picos de temperatura e escassez da disponibilidade de água vão afetar a produção, reprodução e saúde dos animais; mudança de temperatura, chuvas e concentração de CO2 vão afetar os cultivos; culminando em uma maior insegurança alimentar dos humanos e animais.

A pecuária é apontada como uma das atividades humanas de maior impacto ambiental por grandes especialistas e pesquisadores da área, o que não significa que não haja formas mais eficientes e sustentáveis de produção. O modo como a sociedade foi desenvolvida pelos seres humanos culminou em como são produzidos todos os itens consumidos pela população, e a partir do momento que são detectados problemas em relação aos modos de produção, é necessário trabalhar para que sejam aperfeiçoados.

Maravilhoso é perceber que assim como a sociedade foi responsável pelas escolhas feitas que culminaram nos métodos de produção que são utilizados hoje, ela tem o poder de alterar as práticas de produção em relação a cadeia produtiva do leite e todas as demais cadeias que produzem alimento ou outros itens de consumo, gerando cadeias produtivas mais conscientes e sustentáveis.

Nesse contexto, a pecuária de precisão é uma ferramenta interessante para a sustentabilidade da cadeia do leite, pois soluções que permitem o aumento da eficiência do sistema, a otimização do uso dos insumos gerando o mesmo nível de produção e/ou a utilização de insumos ambientalmente corretos, aumenta a sustentabilidade ambiental, social e econômica do processo produtivo.

Ferramentas da pecuária de precisão possuem efeitos positivos nos três pilares da sustentabilidade em um sistema de produção bovina. É importante frisar que a intervenção em um dos pilares influencia positivamente nos outros aspectos. Melhorar as condições de saúde, por exemplo, leva a uma redução de custos com medicamentos, melhorando o bem-estar animal, evitando perdas de produção ou até aumentando a produção e consequentemente melhorando a sustentabilidade ambiental bem como a econômica e social da produção de leite. Todos os aspectos são interligados, e a presença de tecnologias da pecuária de precisão representa uma conexão ainda mais promissora.

As tecnologias voltadas para a pecuária de precisão auxiliam e dão suporte na tomada de decisão, mas não substituem o fator humano neste processo. É preciso dar estrutura para que os produtores do Brasil possam adquirir essas tecnologias, a fim de que estas sejam de fato úteis para a melhoria da sustentabilidade da produção brasileira. Além disso, ao pensar na pecuária de precisão, é preciso relembrar que cada unidade produtiva de leite possui suas particularidades que precisam ser levadas em consideração no momento de avaliação para decisão de qual tecnologia deve ser implementada na fazenda e se é o momento adequado de adotar tal ferramenta. A pecuária de precisão é um caminho, porém não é o único nem necessariamente o primeiro que deve ser seguido para que a propriedade atinja um maior nível de sustentabilidade no processo produtivo.

É importante ressaltar que, embora haja indícios de que a pecuária de precisão seja positiva para aumentar a sustentabilidade da produção de leite, sua aplicação deve ser analisada através da Avaliação do Ciclo de Vida e outros métodos específicos de avaliação e, como a Emergia.

Além disso, é incontestável a necessidade de dar atenção às lacunas existentes nessas tecnologias a fim de melhorá-las aumentando sua aplicabilidade, confiabilidade, aceitação pelos produtores e sua acessibilidade (tanto em relação à facilidade de utilização, quanto ao valor necessário para investir na tecnologia).

Fonte: MilkPoint

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