
Especialistas apontam que o aumento no peso das carcaças é tendência irreversível, mas levanta preocupações sobre manejo, eficiência e sustentabilidade; cenário já impacta decisões genéticas e logísticas em toda a cadeia
A pecuária norte-americana passa por uma transformação estrutural: o peso médio das carcaças de novilhos atingiu os 680 kg, número que especialistas já classificam como o “novo normal” do setor. O movimento na pecuária dos EUA, impulsionado por pressões econômicas, escassez de rebanhos e avanços tecnológicos na nutrição e genética, foi debatido no Beef Improvement Federation (BIF) Symposium 2025, realizado na semana passada, em Amarillo, no Texas.
O evento reuniu mais de 400 produtores, líderes de associações de raças e profissionais da indústria, discutindo caminhos para manter a rentabilidade e a sustentabilidade da carne bovina nos Estados Unidos.
Crescimento do peso de abate é incentivado por toda a cadeia da pecuária dos EUA
Ty Lawrence, professor de ciência animal da West Texas A&M University e diretor do Beef Carcass Research Center, foi enfático: “Hoje, podemos alimentar o gado com pesos muito maiores e sermos mais rentáveis do que jamais imaginamos”.
Segundo o pesquisador, há casos de produtores norte-americanos alimentando bovinos até atingirem 1.000 kg de peso vivo, e carcaças próximas de 680 kg já são realidade nos frigoríficos. Para ele, esse número deve subir para mais de 680 kg (1.500 lb) ainda nesta década.
A razão? A seca prolongada reduziu drasticamente os estoques de gado nos EUA, e a resposta da indústria foi buscar maior rendimento por animal, ajustando a nutrição e prolongando o período de terminação nos confinamentos.
Especialistas avaliam riscos e impactos na cadeia
Apesar da rentabilidade aparente, o alerta veio de vários setores. O geneticista Bradley Wolter afirmou que carcaças maiores “serão essenciais para suprir a lacuna de oferta no curto prazo”, mas lembrou que isso exigirá ajustes genéticos, mudanças na estrutura das vacas e aumentos nos custos de produção.

Ken Odde, vice-presidente do BIF para o biênio 2025/26, também questionou os efeitos desse modelo:
“O que acontece com as características da carcaça ao estender tanto a engorda? E com a eficiência alimentar?”
Temple Grandin, referência mundial em bem-estar animal e professora da Colorado State University, alertou que esse modelo tem custos ocultos.
“Cada novilho enorme tem uma irmã enorme que será muito cara para alimentar no inverno em fazendas de pastagem”, disse. Além disso, Grandin destacou os problemas logísticos que os frigoríficos norte-americanos já enfrentam:
“Instalações projetadas para gado menor não comportam mais esses animais. E o risco de contusões durante o transporte aumenta com o crescimento das carcaças.”
Tendência de décadas, mas agora acelerada
Segundo Grandin, o peso médio das carcaças nos Estados Unidos cresce cerca de 1,8 kg por ano há 60 anos. Na década de 1960, um novilho rendia uma carcaça de aproximadamente 300 kg. Hoje, esse número mais do que dobrou.
A mudança genética começou na década de 1970, quando as raças Hereford e Angus, menores, começaram a ser cruzadas com raças europeias maiores, como a Charolês.
O resultado? Mais carne, mas também bifes grandes demais para pratos padrão e vacas maiores e mais caras de manter.
Enquanto os EUA aumentam, Austrália modera
Na contramão, criadores da Austrália começaram a moderar o tamanho das carcaças, reduzindo pontuações antes buscadas por frigoríficos. Segundo o portal The Scottish Farmer, a tendência australiana tem sido equilibrar rendimento com fertilidade e eficiência, buscando pontuações de carcaça de 7 ou 8, em vez de 9 ou 10, como antes.
Novos desafios globais: genética, sustentabilidade e competitividade
Outro tema quente no simpósio foi a necessidade de melhorar a coleta de dados genéticos comerciais na pecuária dos EUA. Scott Greiner, professor da Virginia Tech, avaliou que a pressão por carcaças maiores terá impacto direto no segmento de cria:
“A vaca precisa crescer junto com a carcaça. Isso significa mais custo e mais exigência por eficiência.”
Joe Epperly, produtor do Kansas, completou:
“A previsão de Lawrence sobre carcaças de 680 kg no fim da carreira é o comentário mais marcante do BIF 2025. Vai impactar toda a seleção genética e o custo de produção.”
Epperly também alertou que os EUA estão atrasados em pesquisas sobre metano, algo que deve ganhar urgência para competir com iniciativas de outros países.
“A Austrália vai lançar um índice genético de emissão de metano já em 2025, enquanto nos EUA ainda temos pouca base de dados. Inclusive, muitos touros americanos já foram genotipados por eles.”
O papel do Brasil e a nova geração
Wolter fez questão de destacar o Brasil como exemplo de sucesso:
“A pecuária brasileira tem avançado com adoção de IA em larga escala e formação de jovens geneticistas. Os EUA precisam investir mais em parcerias público-privadas para manter liderança global.”
O otimismo também veio da nova geração. Elizabeth Dressler, estudante de pós-graduação, destacou a abertura do simpósio com a frase “Standing on the shoulders of giants”, relembrando o legado da pecuária e os novos caminhos.
O novo padrão de carcaças mais pesadas nos Estados Unidos acende um debate global: até onde é possível crescer sem comprometer eficiência, bem-estar, sustentabilidade e rentabilidade a longo prazo? A resposta, segundo os especialistas, dependerá de integração entre genética, manejo, nutrição e, principalmente, adaptação estratégica da cadeia de ponta a ponta.
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