
Secas prolongadas, queda na produção de bezerros e alta dependência de importações agravam a crise na pecuária dos EUA; Brasil se destaca como fornecedor estratégico, mas guerra comercial abala mercado
A pecuária dos EUA enfrenta uma grande crise histórica, com números que não eram registrados há mais de sete décadas. De acordo com o mais recente relatório “Cattle Inventory” do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA-NASS), o rebanho total do país caiu para 86,7 milhões de cabeças em janeiro de 2025, uma queda de 1% em relação aos 87,2 milhões de cabeças do ano anterior e o menor número desde 1951.
A redução é reflexo de anos consecutivos de seca nas principais regiões produtoras, o que forçou uma liquidação precoce de matrizes e enfraqueceu a capacidade de reposição do rebanho. O número de vacas de corte paridas caiu 1%, para 27,9 milhões de cabeças, enquanto a produção de bezerros em 2024 foi estimada em 33,5 milhões de nascimentos — 600 mil a menos que em 2023.
A seca prolongada secou pastagens, elevando a dependência dos produtores por rações mais caras. Segundo a American Farm Bureau Federation (AFBF), esse fator aumentou o custo de produção e reduziu a margem de lucro para pequenos pecuaristas, acelerando a saída de muitos do mercado.
Como consequência, o a pecuária dos EUA passou a operar em um ciclo vicioso de baixa produtividade, liquidação de fêmeas e escassez de bezerros, o que dificulta a retomada da atividade no curto prazo. Especialistas estimam que a recomposição do rebanho pode levar de 8 a 12 anos, mesmo com a melhora do clima.
Diante da queda da oferta interna, os Estados Unidos passaram a depender cada vez mais das importações. Em 2024, o país importou 1,89 milhão de toneladas de carne bovina, um aumento de 11,9% em relação a 2023, segundo dados do USDA.
O Brasil despontou como principal beneficiário desse cenário. As exportações brasileiras de carne bovina in natura para os EUA saltaram de 8 mil toneladas em abril de 2024 para 48 mil toneladas em abril de 2025 — uma alta impressionante de 500%.
Mesmo com as tarifas extras de cerca de 30% fora da cota de 65 mil toneladas, o produto brasileiro se mantém competitivo. Isso se deve ao baixo custo de produção, volume disponível e qualidade crescente da carne exportada, especialmente de cortes utilizados em hambúrgueres e pratos processados.
No mercado interno americano, os consumidores já sentem o impacto. Os preços da carne bovina subiram quase 9% desde janeiro, alcançando US$ 9,26 por quilo. O bife e a carne moída registraram altas de 12,4% e 10,3%, respectivamente, segundo o índice de preços ao consumidor de junho.
A inflação da carne bovina já supera a dos ovos, que haviam disparado no passado recente devido à gripe aviária. Porém, diferentemente dos ovos — cuja oferta foi rapidamente normalizada —, a recuperação da oferta de carne bovina será muito mais lenta e complexa, devido à biologia do ciclo pecuário e à escassez de matrizes.
A crise está acelerando uma concentração da produção em grandes propriedades e regiões específicas. Segundo o USDA, cinco estados concentram 72% da produção em confinamentos: Texas, Nebraska, Kansas, Iowa e Colorado. O Texas lidera com 4,1 milhões de cabeças em confinamento, seguido de perto por Nebraska e Kansas.
O cenário mostra que na pecuária dos EUA, as pequenas propriedades estão sendo absorvidas por grandes operações, que investem em tecnologias de manejo, genética e eficiência alimentar. Além disso, cresce o uso de estratégias como o cruzamento de bovinos de corte com vacas leiteiras (beef-on-dairy), para compensar a falta de animais de corte puros.
Apesar da redução no número de animais, a rentabilidade da indústria frigorífica cresceu. O setor registrou uma taxa anual composta de crescimento de 6,3% nos últimos cinco anos, impulsionado por preços firmes e demanda consistente, tanto interna quanto externa.
Exportações de carne bovina
As exportações americanas de carne bovina alcançaram 1,27 milhão de toneladas em 2024, com mercados asiáticos como Japão e Coreia do Sul respondendo por 41% do volume. A margem por animal abatido aumentou, favorecendo os grandes players que mantiveram capacidade produtiva.
Analistas indicam que 2024 pode ter sido o fundo do poço do ciclo bovino americano, com sinais iniciais de recuperação para 2025. No entanto, essa reversão será lenta e depende de condições climáticas favoráveis e estímulos de investimento na atividade.
Enquanto isso, a presença brasileira no mercado americano tende a crescer, preenchendo as lacunas da produção local e reforçando sua posição como parceiro estratégico na segurança alimentar dos EUA.
Dados atualizados do rebanho em 2025:
- Total de bovinos e bezerros: 86,7 milhões (queda de 1%)
- Vacas de corte: 27,9 milhões (queda de 1%)
- Novilhas de reposição para corte: 4,67 milhões (queda de 1%)
- Bezerros nascidos em 2024: 33,5 milhões (queda em relação a 2023)
- Rebanho confinado para abate: 14,3 milhões (queda de 1%)
- Exportações de carne bovina em 2024: 1,27 milhão de toneladas
- Importações de carne bovina em 2024: 1,89 milhão de toneladas
A pecuária americana vive um dos momentos mais críticos de sua história. Menos gado, mais importações, preços elevados e um mercado em transformação. Para os exportadores brasileiros, o cenário representa oportunidade. Para os pecuaristas americanos, um desafio de reinvenção — num setor onde clima, genética e estratégia agora ditam quem sobrevive.
Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias.