Na pecuária, os rebanhos mais sequestraram do que emitiram carbono – um dos componentes do gás metano, liberado pela atividade e que é o principal responsável pelo aumento do efeito estufa e do aquecimento global.
A pecuária bovina desenvolvida em regime de pastagem, atividade que representa 87% do gado brasileiro, segundo a Embrapa, não é a vilã do aquecimento global. E pode até ser uma aliada. Quem afirma isso é o consultor em ESG/Sustentabilidade em Agronegócio José Carlos Pereira de Freitas, palestrante do Estadão Summit Agro.
Na apresentação do case Pecuária Sustentável, Freitas trouxe dados do Projeto Carbono Araguaia, desenvolvido por cinco anos em 24 fazendas de Mato Grosso, em um total de 80 mil hectares de pastagem. Nesse período, os rebanhos mais sequestraram do que emitiram carbono – um dos componentes do gás metano, liberado pela atividade e que é o principal responsável pelo aumento do efeito estufa. O saldo positivo foi de 282 mil toneladas, o equivalente a 180 carros rodando por ano, afirmou.
Para ele, o resultado comprova que a pecuária praticada no Brasil – que fechou 2023 com mais de 238 milhões de cabeças distribuídas em 177 milhões de hectares, média de 1,34 animal por hectare – tem muitas virtudes: entre elas, a capacidade de aumentar a ocupação de animais por hectare, sem a necessidade de abertura de novas áreas, garantindo assim que não haja desmatamento e que as emissões possam ser zeradas. “O boi é um filtro, que reincorpora o carbono do metano que se decompõe no ciclo pecuário.”
Vantagem competitiva
Essa é uma das características que diferenciam a pecuária a pasto da de confinamento – que exige medidas mais restritivas para mitigar as emissões – e tendem a beneficiar o Brasil num mercado em que a sustentabilidade virou uma qualidade da carne, a exemplo de maciez e suculência.
Para avaliar se uma pecuária é sustentável, afirma Freitas, é preciso mensurar os impactos que ela gera na cultura, na economia, na alimentação e no clima. Nesse sentido, as propriedades rurais não podem ser vistas apenas como áreas produtivas, mas sim como áreas complexas com todo um ecossistema ao redor, como as florestas e os rios que as cercam, que também precisam ser levados em conta. Isso porque a conservação ambiental é uma necessidade urgente, principalmente entre os países que mais emitem carbono na atmosfera, como o Brasil que ocupa a quinta colocação mundial. Um quadro em que a agropecuária está, segundo ele, engajada em mudar.
Bem-estar animal favorece produtividade e menor impacto ambiental à pecuária bovina
A MFG Agropecuária, com oito unidades em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia e São Paulo, é um dos maiores grupos de confinamento do Brasil, com capacidade para 160 mil cabeças de gado e previsão de abate de 300 mil animais em 2024. Nos últimos anos, a empresa expandiu sua base de clientes ao aliar lucro com bem-estar animal e sustentabilidade, projeto impulsionado por consultoria em 2021 e fortalecido com uma equipe própria de veterinários a partir de 2023.
Em 2024, a participação em eventos sobre pecuária e certificações reforçou o compromisso com demandas do mercado interno e externo, a partir da implantação de práticas sustentadas em cinco eixos: comportamento, nutrição, estrutura, saúde física e saúde mental.
“Até alguns anos atrás, o dinheiro da pecuária estava na compra e na venda. O pecuarista não olhava muito para o meio do negócio. Agora, como os preços de compra e venda são travados, ele teve que trazer o dinheiro para outras etapas do processo”, afirma Adriano Umezaki, coordenador técnico de nutrição do grupo.
Ganhos econômicos e ambientais
A maior atenção às necessidades dos animais permitiu reduzir o tempo de confinamento de 150 a 200 dias para 90 a 100 dias. “A gente parte do conceito de produzir mais em menos tempo”, afirma Umezaki. “E ninguém produz em boi em 90 dias se ele não estiver no ápice do cuidado”, complementa Maryele Rodrigues, coordenadora de Bem-Estar Animal e Sanidade. O resultado desse encurtamento no prazo é a menor emissão do gás metano, um dos vilões do aquecimento global.
Somam-se a isso o uso de técnicas como a substituição de antibióticos por óleos essenciais, uso de compostos orgânicos, como os taninos, adensamento da alimentação para mudar a rota do metano no rúmem do animal e atenção diária a fatores como lama, poeira, disponibilização de coçadores e possível estresse térmico. Segundo Umezaki, o investimento é pago com o aumento da produtividade.
Para Maryele, as mudanças na pecuária bovina estão apenas no início e o setor ainda precisa aprender muito. Mas elas poderiam ser mais rápidas se houvesse uma bonificação por esse tipo de prática e um maior conhecimento dos consumidores sobre os benefícios da pecuária sustentável.
Na indústria
Os conceitos relacionados ao bem-estar também norteiam a indústria veterinária. A GlobalGen, que está no mercado desde 2016 e fabrica produtos voltados à Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF), cresceu dez vezes na comparação com os primeiros seis meses de atividade. Anualmente, seus produtos são aplicados em cerca de 2,3 milhões de fêmeas no País.
Um deles é direcionado, especificamente, a reduzir o estresse das fêmeas. Paralelamente, a empresa mantém um programa para treinar os funcionários das propriedades, para que priorizem o bem-estar animal, além de parceria científica com a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), em Piracicaba (SP).
Segundo o veterinário Alexandre Prata, gerente técnico da empresa, a junção de tecnologia, treinamento, bem-estar animal e preocupação ambiental reflete em maior produtividade. “Em média, uma vaca já consegue ter entre seis e oito bezerros ao longo da sua vida reprodutiva. E temos ainda as exceções, que vão de dez a 11. Antes, o mais comum era que tivesse de quatro a seis.”
Fonte: Agro Estadão
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