
Alinhamento inédito do ciclo da pecuária entre os três maiores exportadores de carne bovina do mundo promete transformar o mercado global nos próximos anos
Pela primeira vez na história moderna, os três principais exportadores de carne bovina do planeta — Estados Unidos, Brasil e Austrália — caminham em sincronia dentro do ciclo da pecuária. Essa conjuntura, apontada por analistas do setor e confirmada por relatórios recentes, pode provocar uma das mais significativas mudanças no equilíbrio da oferta mundial de carne nos últimos anos.
Segundo avaliação do analista norte-americano Dennis Smith, publicada no Beef Magazine, o movimento simultâneo de retenção de fêmeas para reprodução nas três potências exportadoras terá como efeito imediato a redução da oferta global de carne bovina, pressionando ainda mais os preços em 2026.
Segundo Smith, há algo muito importante a entender, em escala global. “Pela primeira vez na história moderna, parece que os três principais países exportadores de carne bovina – EUA, Brasil e Austrália – estão entrando na mesma fase do ciclo da pecuária. Os três países vêm liquidando o rebanho e se preparando para iniciar a expansão. Essa retenção maciça de novilhas em três grandes exportadores reduzirá substancialmente a oferta global de carne bovina por alguns anos”, apontou.
O que está acontecendo nos Estados Unidos
Nos EUA, o rebanho bovino atingiu seu menor nível em mais de 50 anos, reflexo de uma combinação de seca prolongada, altos custos de insumos e abate intenso de vacas nos últimos anos. Agora, com a melhora das condições de pastagens e insumos mais acessíveis, os pecuaristas devem iniciar um ciclo de expansão já em 2026. Porém, esse processo depende da retenção de novilhas, o que significa menos animais disponíveis para abate no curto prazo.
De acordo com dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a produção de carne bovina no país deve cair 2,5% em 2026, atingindo 31,1 bilhões de libras, o menor patamar desde 2019. Com a oferta mais restrita, os preços da carne no varejo norte-americano devem alcançar novos recordes históricos, forçando um racionamento via preço — ou seja, o consumo de carne deve diminuir porque nem todos poderão pagar.
Segundo o analista norte-americano Dennis Smith, a indústria bovina dos Estados Unidos enfrenta uma virada histórica. Ele avalia que “a queda na produção de carne bovina durante o quarto trimestre e o primeiro semestre do próximo ano será drástica”.
Smith lembra que o primeiro semestre deste ano apresentou apenas um recuo modesto na produção, mas alerta que esse quadro já está se alterando rapidamente. “A produção está em declínio. Até o momento, a alta recorde dos preços do boi à vista foi sustentada pela forte demanda por carne bovina dos EUA. Daqui em diante, no entanto, a valorização deverá ser impulsionada principalmente pela queda da oferta”, projeta.
O especialista reforça ainda que os efeitos serão sentidos diretamente no varejo. “Com os preços da carne bovina atingindo níveis recordes em algum momento do próximo ano, a oferta limitada terá que ser racionada. Não haverá carne suficiente para todos. Preços altos forçarão muitos consumidores a abrir mão da proteína”, analisa.
Apesar disso, Smith admite que não é possível prever até que patamar os preços chegarão. “O nível exato que determinará esse racionamento ainda é desconhecido”, conclui.
Brasil: liderança global em xeque
O Brasil, maior exportador de carne bovina do mundo, também vive uma fase de ajuste de rebanho no ciclo da pecuária. O setor, que vinha de anos de forte exportação, principalmente para a China, começa a reorganizar a produção para atender à demanda interna e externa. A expectativa é que o país mantenha sua posição de liderança, mas com custos adicionais: o governo dos Estados Unidos, sob a gestão Trump, aplicou tarifas pesadas sobre a carne brasileira, tornando o produto mais caro e dificultando a competitividade em alguns mercados.
Além disso, apenas 20% da carne bovina brasileira é de animais confinados, alimentados à base de grãos, o que limita a capacidade do país de suprir a demanda crescente por cortes premium, altamente valorizados no mercado global.
Se confirmada, a tendência coloca o mercado da carne diante de um novo marco histórico, em que o sincronismo entre EUA, Brasil e Austrália poderá redefinir fluxos comerciais, políticas de exportação e hábitos de consumo em todo o mundo.
Austrália: recuperação após seca
A Austrália, terceiro maior exportador mundial, também está em transição. Após anos de seca severa e liquidação de rebanho, o país deve iniciar a retenção de fêmeas para repovoar suas pastagens. Isso significa que, assim como nos EUA e no Brasil, haverá uma queda expressiva nos embarques de carne bovina no curto prazo.
No caso australiano, o desafio é ainda maior, pois apenas 4% da carne produzida no país vem de animais confinados. Essa característica torna a oferta australiana ainda mais vulnerável às condições climáticas e às oscilações do ciclo pecuário.
Impactos no mercado global da carne
Smith também chama atenção para um ponto crucial: a oferta de carne bovina de animais alimentados com grãos deve cair substancialmente. Enquanto esse tipo de carne corresponde à maior parte da produção nos Estados Unidos, representa apenas 20% no Brasil e 4% na Austrália. Essa escassez tende a levar os preços da carne premium a níveis recordes históricos, em um processo de racionamento da oferta cujo limite ainda é incerto.
A coincidência entre os três gigantes deve provocar um choque de oferta global. Com menos carne disponível e a demanda mundial em alta, o cenário aponta para valorização histórica dos preços da carne bovina, especialmente da carne de animais grain fed (alimentados com grãos), considerada de maior qualidade.
Analistas alertam que os próximos anos poderão trazer uma escalada de preços inédita, com cortes premium atingindo valores recordes. Além disso, países importadores terão dificuldades para compensar a escassez, já que tarifas comerciais e custos logísticos restringem alternativas.
O que esperar daqui para frente com atual ciclo da pecuária
Diante desse cenário, o analista recomenda que produtores adotem estratégias de proteção de preços, como o uso de opções de venda (puts), capazes de garantir um piso para a comercialização sem limitar o potencial de valorização.
No entanto, ele alerta que existem riscos que podem afetar esse mercado em alta. Entre eles, estão a possibilidade de uma recessão nos EUA, um susto do consumidor caso ocorram problemas sanitários, como a presença de bicheira, e ainda o fechamento de frigoríficos. Esses fatores, segundo ele, reforçam a importância de medidas preventivas para assegurar a rentabilidade no campo.
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