Pequenos produtores de leite perdem espaço no abastecimento do país

Nas últimas três décadas, o cenário da produção de leite no Brasil passou por profundas transformações, conforme revelado por diversos estudos e levantamentos. Neste cenário, pesquisa mostra que pecuaristas que enviam mais de mil litros/dia são 10% do total, mas produzem 61% da matéria-prima.

Um olhar sobre os números do Censo Agropecuário do IBGE revela um quadro de redução significativa no número de produtores de leite. Em 1995/96, o censo apontava mais de 1,8 milhão de produtores, mas apenas 800 mil deles tinham excedentes comerciáveis. Dez anos depois, o número total de produtores caiu para 1,35 milhão, uma queda de 450 mil produtores, ou 25%. Em 2017, o censo registrou apenas 1,18 milhão de produtores, dos quais 634 mil comercializavam o leite.

Um estudo recentemente conduzido pela MilkPoint Ventures trouxe à tona uma realidade preocupante para os pequenos produtores de leite no Brasil. Este grupo, que historicamente desempenhou um papel importante no abastecimento de laticínios, está enfrentando desafios crescentes e perdendo relevância no setor. Embora esses produtores ainda representem uma parte considerável da indústria, estão sendo superados por um grupo menor, porém mais produtivo, de pecuaristas.

De acordo com os dados da pesquisa da MilkPoint, que se baseou em informações de 41 laticínios, a grande maioria dos produtores de leite no Brasil, cerca de 60,7%, entrega menos de 200 litros de leite por dia. Surpreendentemente, essa parcela contribui com apenas 11,3% da produção total de leite. Por outro lado, um grupo menor, composto por pecuaristas que enviam mais de mil litros de leite diariamente, representa apenas 10% do total de produtores, mas é responsável por uma impressionante fatia de 61% do leite fornecido à indústria.

uma década, esse grupo de pecuaristas de grande escala compreendia apenas 5% do total de produtores e contribuía com 36% da produção. Hoje, metade deles envia mais de dois mil litros diariamente, respondendo por impressionantes 46,3% da oferta total de leite.

É importante notar que o conceito de “produtor” usado no censo inclui aqueles que têm alguma produção de leite, mesmo que para subsistência ou como subproduto da produção de carne, bem como produtores do mercado informal. No entanto, esses dados inegavelmente demonstram uma redução estrutural no número de produtores, independentemente das crises conjunturais, e isso se deve a uma série de fatores.

Fatores que impulsionam a mudança

Essa mudança no setor pode ser atribuída a diversos fatores. Valter Galan, sócio-diretor da MilkPoint, destaca que a consolidação da pecuária leiteira está ligada à ineficiência de algumas propriedades e à competição com atividades agrícolas que prometem margens de lucro maiores. Um dos principais fatores impulsionadores é o sistema de bonificação por volume no mercado brasileiro, no qual os produtores de maior escala são recompensados com preços mais atrativos por litro de leite. Confira os maiores fatores dessa mudança:

produção de leite

Módulos de produção pequenos e baixa produtividade: Muitos produtores historicamente possuíam módulos de produção muito pequenos, com baixa produtividade, o que dificultava a geração de uma renda compatível com o trabalho investido na atividade.

Preços diferenciados por volume: O mercado brasileiro recompensa produtores de maior volume com preços mais favoráveis pelo litro de leite, o que desfavorece os pequenos produtores.

Economias de escala: A produção de leite é caracterizada por economias de escala, ou seja, quanto maior o volume produzido, menor o custo unitário, o que coloca os pequenos produtores em desvantagem.

Granelização do leite: A granelização do leite dificultou a operação de explorações muito pequenas.

Concorrência com outras atividades agrícolas: Os produtores de leite competem com outras atividades agrícolas que prometem margens de lucro mais atraentes.

Concorrência com atividades urbanas: Muitos produtores e seus sucessores têm buscado oportunidades de trabalho nas cidades, abandonando a atividade rural.

Mudança nos sistemas de produção: O crescimento da produção estabulada, que demanda mais investimentos, também contribui para a exclusão dos pequenos produtores.

Declínio do número de produtores

Embora a produção diária de leite tenha aumentado consideravelmente, o número de produtores de leite no Brasil tem diminuído. De acordo com a MilkPoint, atualmente o país conta com aproximadamente 150 mil produtores de leite que comercializam sua produção, o que representa uma redução de 100 mil em relação a 2013. No entanto, a produção média diária por produtor cresceu 77%, atingindo uma média de 437 litros por produtor.

Um dado interessante é que o volume entregue pelos produtores associados a cooperativas aumentou 125% em uma década, chegando a 505 litros diários. Enquanto isso, os pecuaristas não vinculados a essas entidades aumentaram seu volume em apenas 49%, para 399 litros por dia. Isso é surpreendente, pois as cooperativas geralmente enfrentam desafios ao tentar incentivar o aumento de escala dos produtores.

O Papel das cooperativas

Um aspecto interessante revelado pelos dados é o papel das cooperativas na transformação do setor. As cooperativas, que tradicionalmente têm maior proximidade com seus produtores, mostraram ser capazes de fomentar o aumento de escala dos produtores, mesmo que isso desafie as expectativas. Os produtores em cooperativas produzem mais leite do que os não cooperativados, o que sugere que a relação próxima e a assistência técnica adequada podem ser fatores-chave para o desenvolvimento dos produtores.

produção de leite

Essa relação facilita a implementação de planos de longo prazo e de programas de assistência técnica e gerencial. Das cooperativas analisadas, 17 estão ligadas a cooperativas e captam 40% do volume de leite do grupo, mesmo que muitas delas não façam o processamento.

Mudanças nos sistemas de produção

Uma mudança notável é a transição para sistemas estabulados, que representam cerca de 41% da produção total de leite. O estudo indica uma tendência em direção a sistemas mais intensivos e eficientes, que demandam maiores investimentos, mas que também estão associados a um aumento na escala de produção. Políticas públicas devem considerar essas mudanças e oferecer abordagens diferenciadas para diferentes públicos-alvo, incluindo apoio aos pequenos produtores, incentivos para a instalação de novos projetos de maior escala e a criação de ferramentas que permitam uma gestão mais eficaz e previsível. É importante compreender que essas transformações não são exclusivas do Brasil, sendo um fenômeno global que exige atenção e adaptação contínua por parte dos produtores e das autoridades do setor.

Compre Rural com informações do MilkPoint Ventures (pesquisa: Quem produz o leite brasileiro)

ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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