
Pesquisa com mais de 1.000 entrevistas mostra os muitos rostos do agro brasileiro e o erro da narrativa única; insistir em uma narrativa única sobre o agro é ignorar a realidade do campo.
Por Fernando Lopa* – O agronegócio brasileiro costuma ser apresentado como uma força única, homogênea e pujante. No entanto, essa visão é uma simplificação perigosa. O campo não é feito de um só tipo de produtor, mas de múltiplos perfis, com diferentes idades, estratégias, acesso a crédito e relação com sustentabilidade.
Reduzir tudo a um mesmo discurso cria distorções graves, tanto na formulação de políticas públicas quanto na construção de narrativas sobre o setor.

Pesquisa separou os produtores em sete perfis:
- 29% – tranquilo;
- 28% – tradicional e confiável;
- 13% explorador cauteloso;
- 11% orientado a resultados;
- 7% visionário e sustentável;
- 9% preparado para o futuro;
- 3% tecnológico.
Grande parte dos produtores ainda atua de forma conservadora, avessa a riscos e fortemente vinculada à ideia de continuidade e estabilidade. Para eles, crédito barato, simplicidade operacional e preservação do legado familiar são prioridades.
Outros, especialmente mais jovens, mostram-se mais abertos à inovação, tecnologia e sustentabilidade, mas esbarram em custos elevados de financiamento e em estruturas de mercado que não recompensam adequadamente seus esforços.
Esse contraste evidencia um problema estrutural: não existe um “produtor rural genérico”. Há desde o agricultor familiar de subsistência, que luta para garantir renda mínima, até o produtor corporativo, que opera em larga escala, conectado a mercados globais e capitalizado para investir em inovação. Tratar todos com a mesma régua é injusto e ineficaz.
Outro ponto crítico está na questão do crédito. Independentemente do perfil, o acesso a financiamento de longo prazo e em condições justas segue sendo uma das maiores barreiras para a evolução no campo.
O pequeno produtor é sufocado por juros altos, enquanto o médio e até mesmo o grande, quando inovador, avaliam o risco como elevado demais para comprometer recursos. O resultado é um círculo vicioso: quem poderia avançar em práticas sustentáveis ou tecnológicas muitas vezes recua, e quem prefere manter o modelo conservador continua reproduzindo o mínimo, sem incentivo para mudar.
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A sustentabilidade, por sua vez, já deixou de ser tema opcional. O que muda é o peso que cada produtor atribui a ela: para alguns, é apenas um requisito conservador de continuidade; para outros, é valor central e inegociável. Mas aqui novamente a falta de políticas específicas gera distorções: cobra-se a mesma régua de todos, sem diferenciar quem tem estrutura para investir e quem mal sobrevive com margens apertadas.
Por fim, há um equívoco que persiste no debate: a ideia de que o agronegócio é sinônimo de altos lucros. Na prática, o produtor rural, especialmente o produtor de base familiar, é o elo mais frágil da cadeia. Produz mais, mas nem sempre ganha mais. Enfrenta o paradoxo da produtividade agropecuária: quanto maior sua eficiência, menor tende a ser o preço de venda.
Quem captura valor real são outros elos da cadeia, mais próximos da indústria e do mercado consumidor. Portanto, insistir em uma narrativa única sobre o agro é ignorar a realidade do campo.
O setor precisa ser entendido em sua diversidade, com políticas, crédito e comunicação ajustados para cada perfil de produtor. Sem isso, continuaremos alimentando um discurso distante da prática e perpetuando a desigualdade entre aqueles que carregam nas costas a produção de alimentos e aqueles que concentram o lucro dessa engrenagem.
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Fernando Lopa é Mentor de Carreiras e Negócios para o Agronegócio
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