Espécie exótica invasora, javalis avançam sobre áreas agrícolas, destrói lavouras inteiras, transmite doenças e desafia produtores rurais. Falta de políticas coordenadas e manejo eficiente agravam o problema, enquanto o campo pede soluções urgente
A presença dos javalis e javaporcos no Brasil deixou de ser um alerta e se tornou uma crise consolidada. A expansão acelerada dessa espécie, introduzida originalmente sem controle adequado, atinge diretamente a produtividade agrícola, o manejo sanitário de rebanhos e a segurança das famílias que vivem no campo. Os prejuízos, que já ultrapassam R$ 1 bilhão ao ano, têm se acumulado principalmente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, onde os animais encontram alimento fácil, ausência de predadores naturais e áreas de mata com abrigo amplo.
No exterior, casos como o registrado na Quinta do Albergue, em Portugal, onde um agricultor perdeu grande parte de seus 30 hectares de milho após sucessivas invasões de javalis, ilustram uma realidade que se repete com intensidade ainda maior no Brasil.
Aqui, a dimensão territorial amplia o problema: populações inteiras se deslocam atravessando plantações de milho, sorgo, mandioca e pastagens destinadas ao gado, deixando rastros de destruição em poucas horas de atividade noturna. Além de derrubarem e consumirem plantas, os animais revolvem o solo com o focinho, causando erosão, desagregação da estrutura do terreno e danos permanentes ao perfil produtivo das áreas agrícolas.
O javali se tornou um invasor extremamente eficiente. Fêmeas podem parir duas vezes por ano, com ninhadas numerosas, o que faz a população crescer mesmo em regiões que já adotam abate controlado. A espécie apresenta inteligência elevada, capacidade de deslocamento silencioso, força física e adaptabilidade a diversos biomas. Em resumo, o javali aprende rápido e reage a qualquer mudança no ambiente, tornando o controle um desafio constante para quem está no campo.
Essa ameaça vai além da produção agrícola. Os javalis representam um risco sanitário direto para a suinocultura brasileira, setor responsável por bilhões em exportações anuais. O animal é vetor e carreador de doenças como Peste Suína Africana (PSA), monitorada com preocupação no Brasil devido a surtos recentes no Caribe, além de Peste Suína Clássica, brucelose e leptospirose, doenças capazes de atingir tanto rebanhos quanto seres humanos. Em um país cuja economia agropecuária depende de mercados internacionais sensíveis, qualquer ameaça sanitária amplia o alerta.
Produtores preocupados e aterrorizados
A sensação predominante entre produtores rurais é de vulnerabilidade. Muitos relatam trabalhar durante todo o ciclo produtivo para, em uma única madrugada, ver a lavoura comprometida ou perdida. Embora a caça controlada seja permitida por legislação federal, a prática enfrenta barreiras como burocracia, poucos controladores habilitados, receio de responsabilização judicial e o avanço da urbanização sobre áreas rurais. O resultado é que o produtor frequentemente enfrenta sozinho uma ameaça que é coletiva e crescente.
Apesar da gravidade, experiências regionais mostram que o manejo coordenado pode produzir resultados concretos. Grupos estruturados de produtores, aliados a veterinários de campo, armadilhas coletivas, drones com imagem térmica e cercamento estratégico têm conseguido reduzir a pressão da espécie em determinadas áreas. A eficácia está no planejamento contínuo e integrado — não na ação isolada ou improvisada.
Debate chega ao STF e ao Congresso
Nos últimos meses, o tema avançou para a esfera política. No Supremo Tribunal Federal (STF), está em análise a constitucionalidade da Instrução Normativa nº 03/2013 do IBAMA, que autoriza o manejo controlado da espécie por caçadores credenciados.
Entidades ambientalistas defendem maior regulamentação e fiscalização, enquanto representantes do agro alertam que restringir o manejo pode levar a uma explosão populacional irreversível, colocando em risco lavouras, rebanhos e exportações de proteína animal. A decisão do STF será determinante para definir o grau de autonomia e segurança jurídica do produtor no controle do javali.
Paralelamente, a discussão avança na Câmara dos Deputados, onde projetos buscam estabelecer um marco legal nacional para o manejo da espécie. Entre os pontos discutidos estão a padronização dos protocolos de captura, ampliação da capacitação técnica de controladores, diretrizes veterinárias para evitar disseminação de doenças e criação de programas de cooperação entre municípios. A bancada ruralista defende que o manejo seja tratado como questão de segurança agropecuária, enquanto setores ambientais pedem mais fiscalização em criatórios e transporte de animais.
O desfecho desse debate será decisivo. Enquanto o país discute a forma de agir, o javali continua avançando — e o tempo, definitivamente, não está a favor do campo.
Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias.