Estudo da Embrapa prevê falta de mão de obra até 2040. Enquanto a agricultura atrai talentos com tecnologia, pecuaristas enfrentam o dilema de profissionalizar a gestão e investir em capacitação, ou ficar com o “restolho” do mercado
Um alerta silencioso, mas urgente, está soando nas fazendas de gado do Brasil. Enquanto o agronegócio celebra safras recordes e a população das “capitais do agro” (como Sorriso-MT) cresce em ritmo acelerado, a pecuária vive um paradoxo: ela está ficando sem gente. Um estudo recente da Embrapa é categórico: vai faltar mão de obra na pecuária até 2040, criando um verdadeiro “apagão” no setor.
O problema não é simples, e as causas vão muito além da velha história do “êxodo rural”. Trata-se de uma tempestade perfeita de fatores sociais, tecnológicos e, principalmente, de gestão.
Por que a pecuária ficou para trás?
Em análise recente no MF Cast, o Professor Wagner Pires foi direto ao ponto: a pecuária ficou com o “restolho” do mercado.
Segundo ele, a indústria urbana e, mais recentemente, a agricultura tecnificada (soja, milho) “sugaram” os melhores profissionais. A agricultura, com seus salários muitas vezes mais altos e a operação de máquinas de ponta, tornou-se mais atraente, deixando a pecuária em segundo plano.
Esse diagnóstico é o ponto de partida para entender a crise. O “vaqueiro por tradição” está desaparecendo, e o novo profissional qualificado não vê a pecuária como primeira opção.
O fator social
Dados sobre a juventude rural mostram que a nova geração não quer apenas um emprego; quer um projeto de vida.
- Busca por Oportunidades: Milhões de jovens rurais (entre 15 e 29 anos) deixam o campo não apenas por salários, mas em busca de educação, lazer e conectividade.
- A “Imagem Negativa”: Muitos ainda associam o trabalho na pecuária a uma imagem de “trabalho pesado”, braçal e de baixo status, como apontam estudos sobre a permanência do jovem no campo.
- Conectividade é Essencial: O Censo Agro já mostrou um crescimento explosivo no acesso à internet no campo (mais de 1900% em uma década). Como destacou o Professor Pires, a primeira pergunta de um candidato hoje não é o salário, mas: “Tem internet?”. A conectividade deixou de ser um luxo para se tornar uma ferramenta de trabalho e um item básico de qualidade de vida.
O “Gap” tecnológico: A pecuária 4.0 chegou, mas faltam operadores
O maior gargalo não é (apenas) a falta de pessoas, mas a falta de pessoas qualificadas para a nova realidade tecnológica. A Pecuária 4.0 não precisa mais do “tocador de boi”; ela precisa de um operador de dados.
O problema é que a tecnologia avançou mais rápido que a formação da mão de obra. As fazendas modernas estão implementando:
- Sensores IoT: Brincos e coleiras que monitoram a saúde, a ruminação e a localização do gado em tempo real.
- Telemetria: Controle remoto de bebedouros e cochos automatizados, que avisam o gestor sobre falhas.
- Drones e Softwares: Para monitoramento de pastagens e gestão de rebanho.
- Automação: Máquinas que reduzem o esforço físico no trato e manejo.
A Agência Brasil já reportou que a tecnologia aumenta a produtividade ao mesmo tempo que diminui a necessidade de mão de obra intensiva. O desafio é: quem opera essa tecnologia?
As Soluções: Gestão e capacitação
Se o problema é complexo, as soluções também precisam ser. Elas se dividem em duas frentes que precisam andar juntas: a “porteira adentro” (gestão) e a “porteira afora” (capacitação).
A) A Revolução na Gestão (A Visão do Produtor)
Como defende Wagner Pires, o pecuarista precisa parar de “prender” o funcionário e começar a “atrair” e “reter” talento, tratando a fazenda como uma empresa:
- Profissionalizar: O funcionário não é um “peão”, é um parceiro estratégico. O produtor precisa ser transparente, explicar as metas e, como sugeriu Pires, oferecer participação nos resultados (bônus, comissão).
- Investir no Básico: Oferecer moradia de qualidade e internet não é mais um “diferencial”, é o mínimo para entrar no jogo.
- A Nova Regra do Treinamento: O medo de “treinar e o funcionário ir embora” precisa ser substituído pela certeza: “Se não treinar, ele vai embora”. A capacitação passa a ser a principal ferramenta de retenção.
B) A Corrida pela Qualificação (A Visão Institucional)
Instituições como o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) estão em uma corrida para preencher essa lacuna. A resposta não é genérica; ela é local e específica.
Iniciativas pelo país mostram o SENAR firmando parcerias com sindicatos rurais e prefeituras para oferecer cursos gratuitos e de alta tecnologia, como:
- Cursos de Inseminação Artificial.
- Operação de drones e GPS.
- Manejo de softwares de gestão pecuária.
- Uso de simuladores de máquinas pesadas.
O SENAR tenta, assim, formar o profissional que a Pecuária 4.0 exige.
O Futuro é inevitável
A pecuária do futuro, como já é realidade em países como a Austrália, terá “fazendas vazias”: menos gente, mas muito mais eficiência. A tecnologia não é mais uma opção, ela é a resposta para a escassez de mão de obra.
O produtor que não se adaptar a essa nova realidade — investindo em tecnologia para reduzir o trabalho braçal e em gestão para reter os talentos que operam essa tecnologia — ficará para trás.
Afinal, como disse um especialista citado por Pires: “Se você não treina [seu funcionário], você está entregando porcaria pro mercado. E vai receber porcaria de volta”. Para o pecuarista que deseja sobreviver ao “apagão”, a hora de investir em pessoas e em bits é agora.
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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