
Desvendando o paradoxo da pecuária brasileira: como o maior rebanho do hemisfério ocidental ainda produz menos carne que o dos Estados Unidos. Produtividade, raça, gestão e outros fatores são a explicação
O Brasil ostenta o segundo maior rebanho bovino do mundo – lembrando que a Índia ocupa o primeiro lugar, com cerca de 238,2 milhões de cabeças em 2024, superando com folga os aproximadamente 86 a 87 milhões de bovinos dos Estados Unidos. Apesar dessa diferença, a produção de carne no Brasil foi de 10,91 milhões de toneladas em 2024, contra 11,6 a 12,3 milhões de toneladas nos EUA. Mas então, por que o Brasil produz menos carne do que os EUA, mesmo tendo mais do que o dobro de gado?
Essa discrepância coloca em evidência um paradoxo: por que o gigante dos trópicos, com um rebanho muito maior, perde em produtividade para um país com clima e território menores? Para entender os dados, precisamos analisar os fatores que contribuem e influenciam nesse contexto.
Peso da carcaça: um retrato da produtividade
Um indicador crucial é o peso médio da carcaça. No Brasil, a maioria do gado ainda passa anos no pasto. Dados do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que em 2023 a idade média de abate era 32,9 meses (2,75 anos), e 83 % dos bovinos abatidos tinham mais de 24 meses. O resultado são animais mais velhos, com carcaças mais leves (média de 260 kg) e custo menor de engorda, mas menor eficiência na conversão em carne.
Nos Estados Unidos, os números são bem mais robustos. As carcaças de bois castrados (steers) alcançaram 949 libras (cerca de 430 kg) em 2025, sendo que, no final de 2024, já havia relatos de carcaças na casa das 950 libras. A diferença de mais de 60% no peso de carcaça evidencia o quanto o desempenho por animal ainda precisa avançar no Brasil.
Desfrute do rebanho e idade de abate
Outro fator de impacto é o desfrute do rebanho, ou seja, a proporção de animais abatidos em relação ao rebanho total. Enquanto os Estados Unidos abatem cerca de 35,5% do seu rebanho anualmente, o Brasil abateu, em 2024, 23,5% dos animais, mesmo com recorde de 39,19 milhões de cabeças abatidas.
A idade ao abate também pesa. No Brasil, o gado é abatido, em média, aos 32,9 meses (quase 3 anos), e 83% dos animais tinham mais de 24 meses. Nos Estados Unidos, os bovinos são enviados diretamente para o confinamento e abatidos entre 18 e 24 meses. Essa terminação intensiva diminui o período de recria — fase em que o animal cresce lentamente no pasto — e permite mais “giros” por hectare, com várias safras de bois engordados no mesmo ano. O confinamento com dieta de grãos garante ganho rápido de peso e carcaças de quase meia tonelada.

Infraestrutura e sistemas de produção
Confinamento
Nos EUA, os feedlots são a espinha dorsal da produção de carne. A grande maioria dos animais passa por esses confinamentos intensivos, com dietas à base de milho, sorgo e subprodutos de etanol. Essa estratégia resulta em carcaças mais pesadas e padronizadas.
No Brasil, por outro lado, o confinamento ainda é minoritário. Em 2024, foram confinados apenas 7,96 milhões de bovinos, crescimento de 11% em relação ao ano anterior, mas ainda um número pequeno diante do rebanho total. Para 2025, estima-se que esse número chegue a 8,53 milhões de cabeças, o que significaria cerca de 3-4% do rebanho em regime intensivo.
Alimentação
Além do confinamento, a qualidade da dieta é determinante. Os norte-americanos utilizam ração de grãos e subprodutos como o DDG (distillers dried grains), provenientes da indústria de etanol. Esse insumo tem potencial de multiplicar por quatro o ganho de peso diário dos bovinos, de 400 g para 1,6 kg. No Brasil, o uso de DDG ainda é incipiente e restrito a alguns confinamentos.
Logística e gestão
O Brasil enfrenta gargalos logísticos que encarecem a alimentação intensiva. Estradas precárias e longas distâncias até os centros produtores de grãos dificultam a adoção de rações energéticas. Além disso, há forte heterogeneidade tecnológica: algumas fazendas investem em genética e manejo de ponta, enquanto muitas outras operam de forma extensiva e com baixa adoção de tecnologia.

Superestimação do rebanho e abate de fêmeas na pecuária brasileira
Estudos recentes sugerem que o número de cabeças declarado no Brasil pode estar superestimado, sendo o rebanho efetivo mais próximo de 196 milhões de animais. Isso implicaria que a taxa de desfrute real é maior do que os 23,5% aparentes, mas ainda inferior à dos Estados Unidos.
Outro dado relevante é o índice de abate de fêmeas. Em 2024, 43% dos bovinos abatidos no Brasil eram fêmeas. Esse número inclui vacas em final de ciclo reprodutivo e novilhas descartadas precocemente. Embora o abate de fêmeas contribua para manter a oferta de carne no curto prazo, ele compromete a capacidade de reposição de bezerros e exige taxas de prenhez mais altas para evitar declínio do rebanho.
Possíveis caminhos para aumentar a competitividade
- Ampliar a adoção de confinamentos e semiconfinamentos para elevar o desfrute e o peso das carcaças.
- Incentivar o uso de dietas energéticas, incluindo maior disponibilidade de milho e DDG, para reduzir o tempo de engorda.
- Aprimorar genética e manejo reprodutivo, diminuindo a idade ao abate e aumentando a taxa de natalidade.
- Melhorar a logística e a infraestrutura de transporte para tornar as rações mais acessíveis e viáveis.
- Atualizar as estatísticas do rebanho com metodologias mais precisas, evitando superestimações que distorcem a percepção de produtividade.
O volume do rebanho brasileiro é impressionante, mas a produtividade por animal ainda está aquém dos padrões dos Estados Unidos. A chave não é apenas ter mais cabeças, mas sim fazer cada cabeça produzir mais. Com investimentos em tecnologia, manejo intensivo e logística, o Brasil pode se aproximar – e até superar – a eficiência americana, aproveitando seu potencial para se consolidar como líder mundial em produção de carne bovina. Agora você sabe responder, quando te questionarem: Porque o Brasil produz menos carne que os EUA?
Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias.