
O setor leiteiro enfrenta um aumento da oferta, queda nas cotações e incertezas externas para os próximos meses.
A pecuária leiteira brasileira vive um momento paradoxal. De um lado, os produtores comemoram o recorde histórico de 26,1 bilhões de litros produzidos em 12 meses — marca registrada no segundo trimestre de 2025. Do outro, enfrentam a queda nos preços pagos ao produtor, reflexo da combinação entre maior oferta interna e desaquecimento da demanda.
Segundo a Nota de Conjuntura da Embrapa Gado de Leite, divulgada em setembro de 2025, o crescimento da produção foi de 9,3% em relação ao mesmo período de 2024, consolidando o décimo trimestre consecutivo de expansão. Esse avanço é resultado direto da melhor rentabilidade dos últimos anos e de novos investimentos realizados por grandes produtores.
Cenário internacional influencia o mercado interno
A produção global de leite mantém ritmo acelerado nos principais países exportadores, como Estados Unidos, Europa e América do Sul. No Hemisfério Sul, fatores sazonais também contribuíram para uma oferta mais robusta neste semestre. O resultado foi pressão baixista sobre os preços internacionais.
No leilão GDT de 16 de setembro, o leite em pó integral fechou cotado a US$ 3.790 por tonelada, registrando queda, mas ainda mantendo um patamar considerado positivo. As previsões para os próximos meses indicam leve recuo até o fim do ano.
No Brasil, embora as importações sigam elevadas, houve redução de 6% entre janeiro e agosto em relação a 2024. Essa menor entrada de produto externo, no entanto, não foi suficiente para equilibrar a forte produção interna e o baixo consumo doméstico.
Derivados lácteos e mercado spot em retração
O reflexo da maior disponibilidade de leite já é sentido no mercado de derivados. Leite UHT, queijo muçarela e leite em pó industrial apresentaram desaceleração nas cotações. O mercado spot — considerado um termômetro imediato do setor — mostra-se particularmente fraco, com excesso de oferta e baixa demanda, o que reforça a tendência de queda no preço pago ao produtor.
Ainda que o início de 2025 tenha registrado valores atrativos ao produtor, a virada para baixo começou em abril, em plena entressafra. Essa inversão indica que a demanda por lácteos não acompanhou a evolução da oferta, pressionando margens e dificultando a manutenção da rentabilidade.
Custos de produção: alívio momentâneo, riscos à frente
Apesar da pressão sobre os preços, os custos de produção seguem em patamar favorável. Os preços do milho e da soja estão mais baixos, reflexo da boa safra brasileira e da expectativa positiva para a colheita nos Estados Unidos.
Por outro lado, o setor enfrenta desafios:
- Margens apertadas no mercado de grãos;
- Escassez de crédito rural e juros elevados;
- Dependência de 27% da Rússia nas importações de fertilizantes.
Embora os estoques atuais de fertilizantes estejam em níveis confortáveis, o segundo semestre tende a trazer valorização dos insumos, exigindo cautela dos produtores.
Macroeconomia e riscos externos
No campo econômico, o Boletim Focus do Banco Central aponta desaceleração do crescimento. Para 2025, a projeção é de 2,16% de expansão do PIB, enquanto para 2026 o índice cai para 1,80%, números inferiores aos registrados nos últimos quatro anos. Apesar das expectativas de queda na Selic e na inflação, o ambiente não deve estimular de forma significativa o consumo interno.
No cenário externo, a instabilidade política da Argentina, principal parceira comercial do Brasil no setor lácteo, levanta preocupações adicionais. Ao mesmo tempo, a disputa comercial entre Estados Unidos e China segue como fator de risco para o agronegócio brasileiro.
Outro ponto de incerteza vem dos posicionamentos recentes do governo Trump em relação ao Brasil, que podem levar a exigências de concessões comerciais, incluindo o setor lácteo. Esse conjunto de fatores reforça a necessidade de prudência nos próximos meses.
O setor lácteo brasileiro celebra o marco histórico de produção, mas enfrenta uma dura realidade: preços em queda e incertezas econômicas. A eficiência produtiva e os custos de insumos mais baixos oferecem um certo alívio no curto prazo, mas os riscos — tanto internos quanto externos — exigem estratégias de gestão e cautela redobrada dos produtores.
Autor: Thiago Pereira
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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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