Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), João Martins, afirma que importações desleais de leite em pó estão levando milhares de produtores à falência e cobra ação urgente do governo federal
O setor leiteiro brasileiro, um dos pilares da agropecuária nacional, enfrenta uma das maiores crises de sua história. O alerta vem do presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), João Martins, que classificou como “profunda e injusta” a situação dos mais de um milhão de produtores de leite espalhados pelo país — dos quais 80% são pequenos agricultores familiares.
Segundo Martins, a forte queda no preço pago ao produtor e a concorrência desleal do leite em pó importado estão dizimando propriedades e ameaçando a autossuficiência nacional. “Em agosto de 2025, o litro de leite estava a R$ 2,77. Hoje há relatos de pagamentos próximos a R$ 1,60, valor que não cobre nem os custos de produção. Isso significa perda de renda no campo, famílias desamparadas e risco real de o Brasil perder sua base produtiva de leite”, afirmou.
CNA cobra reação do governo e critica decisão do MDIC
A crise se intensificou após o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) decidir não aplicar medidas antidumping contra o leite em pó importado de países do Mercosul, como Argentina e Uruguai.
A CNA, representantes do setor leiteiro e parlamentares se reuniram na última quarta-feira (13) com o MDIC para contestar a decisão. Eles argumentam que a medida ignora os impactos diretos da importação desleal sobre o produtor brasileiro.
“O novo método de avaliação do ministério não leva em consideração o efeito devastador das importações sobre os produtores. Essa decisão é um golpe para quem vive do leite”, afirmou o presidente da Famasul, Marcelo Bertoni, que participou do encontro.
O deputado Rafael Pezenti (MDB-SC) reforçou que milhões de brasileiros dependem da produção de leite e que a entrada de produtos estrangeiros abaixo do preço de mercado interno desestrutura toda a cadeia produtiva. “Esperamos sensibilidade do governo para rever essa decisão e garantir uma relação comercial justa”, disse.
Parlamentares pedem “respeito e credibilidade” ao produtor
A presidente da Frente Parlamentar do Leite, deputada Ana Paula Junqueira Leão (PP-MG), destacou que o Brasil está abrindo mão de um instrumento essencial de defesa comercial. “O questionamento é por que nos tiraram o direito de acionar medidas antidumping. A decisão prejudica toda a cadeia, do campo à indústria”, alertou.
Já a deputada Marussa Boldrin (MDB-GO) cobrou postura firme do governo. “Precisamos de uma decisão favorável. O setor produtivo tem mostrado o que está em jogo: a sobrevivência do produtor rural. O governo precisa olhar para nós com respeito e credibilidade”, afirmou.
Histórico e risco de dependência externa
O pedido de investigação da CNA contra Argentina e Uruguai foi protocolado em agosto de 2024, apontando dumping — prática de exportar produtos a preços inferiores aos praticados no mercado interno, prejudicando os concorrentes locais.
A investigação foi aberta em dezembro, mas o MDIC recentemente mudou seu entendimento, alegando que o leite in natura não é produto similar ao leite em pó, o que impediria os produtores rurais de questionar a prática.
A CNA rebateu o argumento, lembrando que desde 1999 o governo brasileiro reconhece a similaridade entre leite in natura e leite em pó, o que embasou a aplicação de tarifas antidumping contra produtos da União Europeia e da Nova Zelândia em anos anteriores.
“Se o governo não agir, milhares de pequenos produtores endividados abandonarão a atividade, e o país passará a depender de importações, destruindo o mercado doméstico”, alertou João Martins.
Setor leiteiro: base da economia rural brasileira
Mais do que uma questão econômica, o leite tem relevância social e estratégica para o Brasil. Presente em praticamente todos os municípios, a cadeia produtiva do leite é responsável por milhões de empregos diretos e indiretos, sendo fonte de renda essencial para pequenas propriedades e regiões rurais.
O produto está entre os cinco principais itens da agropecuária nacional e movimenta uma ampla indústria de derivados — de queijos e manteigas a iogurtes e leite em pó. Além disso, o setor contribui de forma significativa para o abastecimento alimentar e a segurança nutricional da população brasileira.
Próximos passos
O MDIC informou que o processo segue em fase administrativa e que há possibilidade de revisão do entendimento preliminar, desde que apresentadas novas provas técnicas. A CNA e entidades parceiras se comprometeram a encaminhar estudos e dados atualizados para sustentar a tese de que há dumping e prejuízo evidente à produção nacional.
Enquanto isso, o setor leiteiro segue em alerta. O desfecho desse impasse pode determinar o futuro da produção de leite no Brasil — e o destino de milhares de famílias que tiram do campo o sustento de suas vidas.
