
O uso de secadores, tendo como “combustível” a palha de café, ajuda a engrossar o fenômeno meteorológico da névoa em rodovias e cidades cafeeiras, além de contribuir para a emissão de gases de efeito estufa; há alternativa para se destinar o resíduo do grão e evitar o aprofundamento desse cenário: o biochar
Por Ricardo de Figueiredo*
De longe, não se enxerga a próxima curva. De perto, não se vê, por exemplo, o carro à frente. Cenário corriqueiro a cada outono brasileiro, a névoa que encobre rodovias, ruas e avenidas pelo País não se explica apenas pela troca atmosférica entre o ar quente e o ar frio. Não. Há outros fatores, inclusive econômicos, que costumam dar um empurrãozinho para que o fenômeno fique um pouco mais denso e aconteça em diferentes partes do dia, não só ao amanhecer, representando um risco à saúde e ao clima.
Se você pensou na poluição de veículos automotores, há um fundo de verdade. Mas deixa eu te contar um segredo: o café que te faz pular da cama todos os dias também pode ser um grande amigo dos nevoeiros. Explico.
Para chegar à mesa, o café passa por algumas etapas. Desde a colheita até a separação do grão, há um momento em que o grão precisa se livrar de sua “casca” para assim ingressar no processo produtivo em escala. É o que se chama de secagem, que pode ser feita a céu aberto ou, então, com o uso de máquinas, as secadoras.
Só que é justamente aí, quando o grão se livra da palha que surge o primeiro ponto de interrogação entre pequenos, médios e grandes produtores. O que fazer com essa palha? Porque é palha, viu.
Estima-se que para cada uma tonelada de café produzido se gera cerca de meia tonelada de palha. Então, é bastante resíduo.
Alguns simplesmente juntam a palha, colocam numa caldeira, ligam o fogareiro e queimam. Queimam para conseguir cumprir com a etapa da secagem. O vapor desse ato move as secadoras, que secam o café.
O problema nesse ciclo, aparentemente perfeito, reside em dois grandes danos para as pessoas e para o meio ambiente: o primeiro é que ao engrossar a névoa do outono/inverno brasileiro com a fumaça densa, isso acaba por fazer muito mal para as pessoas. Um mal respiratório, de fato – mas volto a esse ponto abaixo. Sem contar que em algumas rodovias isso vem causando acidentes, tamanha a quantidade de fumaça responsável por verdadeiros “pontos cegos” para os motoristas.
Mas friso. O dano ainda mais alarmante é o respiratório. E vai ao encontro das informações da Organização Mundial da Saúde (OMS), já que as internações e crises respiratórias em época da colheita são mais elevadas do que em áreas que não tem esse tipo de atividade econômica. Estima-se que a palha queimada de uma saca de café, ao ter seus gases liberados na atmosfera, pode equivaler ao alcatrão de mais de 10 mil cigarros. Um número alarmante e impressionante, não?
O segundo dano é para o clima – que no fim das contas também atinge as pessoas. A combustão direta da casca do café emite mais gases de efeito estufa do que se pode imaginar, principalmente o dióxido de carbono (CO2) e, em menor escala, metano (CH4) e óxido nitroso (N2O). Isso volta para a sociedade de um jeito muito peculiar: mudanças climáticas, que impacta diretamente o produtor rural. Porque, além de precisar lidar com períodos secos e de altas temperaturas , colhe literalmente frutos cada vez menores.
O Espírito Santo, segundo maior produtor de café do Brasil, por exemplo, conhece bem essa realidade. Minas Gerais, líder na fabricação do cafezinho, também.
Mas calma. Há alternativas. Por exemplo, em vez de queimar simplesmente a palha, esse mesmo resíduo pode ser destinado a produtores de soluções ambientalmente responsáveis, como quem fabrica o biocarvão, conhecido internacionalmente como biochar. Ou seja, há alternativas.
O biochar é um cristalzinho pequenino, pretinho, do tamanho de uma unha, que quando colocado em plantações, como as de café, retém água e nutrientes, que melhoram consideravelmente a produtividade do cafezal. A Universidade Federal de Lavras (UFLA) fez alguns estudos que mostram um incremento de 20% de aumento na safra de café para quem adotou o biochar na lavoura.
Com o preço do café nas alturas, um incremento desse tamanho cai muito bem. Até porque o Banco Mundial afirma que, no primeiro trimestre de 2025, o preço da tonelada de café arábica subiu incríveis 26%. E o que se valorizou 26% em três meses no mundo? Então…
O fato é que o mundo evoluiu tecnologicamente e práticas consagradas do passado, como a queima de palha de café ou jogar a casca na lavoura, já não são a única solução. Ambas emitem gases de efeito estufa que prejudicam o próprio produtor. Há maneiras de economizar do ponto de vista do processo produtivo e ser responsável ambientalmente. Se abrindo a novas abordagens e manejos é urgente. Mesmo porque quem queima café no processo de secagem também enfrenta a névoa das manhãs nessa época de tempo frio e úmido no Brasil. Em suma, não é bom para ninguém.
*Ricardo de Figueiredo é engenheiro químico pela Universidade Federal de Minas Gerais, Diretor-Executivo e Diretor de Excelência Industrial e ESG da NetZero
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