
Enquanto o preço do leite cai até R$ 0,50 por litro nas mãos do produtor, valores nas prateleiras seguem estáveis; cenário pressiona pequenos produtores, desvaloriza propriedades rurais e expõe falhas na cadeia de comercialização
A cadeia produtiva do leite no Brasil, especialmente no segmento da pequena produção, vive mais um capítulo de profunda instabilidade econômica. Em Minas Gerais, produtores como Wesley Kennedy, referência entre os pecuaristas leiteiros da região, relatam perdas significativas de receita com a recente queda no preço do leite de até R$ 0,50 por litro. A situação é tão crítica que vem afetando diretamente a valorização dos sítios, gerando desânimo, venda forçada de gado e substituição da produção por outras atividades.
Se você está no campo ou ligado a ele de alguma forma direta, não importando o estado em que está localizado, já deve ter percebido que a crise silenciosa no campo vem trazendo um grande abandono da atividade pelos pequenos produtores, principalmente aqueles ligados a atividades mais “desvalorizadas” pelas políticas voltadas ao campo. Confira a análise realizada por Thiago Pereira, Zootecnista e Diretor de Conteúdo do Compre Rural.
O que está por trás da nova queda no preço do leite?
Segundo levantamento do Cepea/Esalq, o preço médio pago ao produtor em maio foi de R$ 2,6431/litro, uma queda de 3,9% em relação a abril e 7,4% frente a maio de 2024, já considerando a inflação. Essa desvalorização, atípica para o período seco, é explicada por dois movimentos simultâneos:
- Aumento na oferta de leite: com a queda dos custos de produção no mês de maio — destaque para a redução de 0,72% no Custo Operacional Efetivo —, muitos produtores ampliaram a produção.
- Baixa demanda interna por lácteos, agravada por estoques cheios nas indústrias e dificuldade de escoamento.
Além disso, as importações de leite subiram 8,6% em maio, ampliando a concorrência com o produto nacional e reforçando a pressão de baixa no mercado interno.
O descompasso que revolta o produtor
No canal de Wesley Kennedy, produtor mineiro que divulga sua rotina na roça, o desabafo é direto: “Caiu R$ 0,30 no litro de leite aqui, mas no supermercado está o mesmo preço.” A crítica expõe um gargalo crônico na cadeia de comercialização: a diferença entre o preço pago ao produtor e o valor final ao consumidor.
Essa discrepância, além de injusta, afeta diretamente a rentabilidade. Segundo Wesley, quem produz 500 litros/dia perde até R$ 4.500 por mês com uma queda de R$ 0,30 por litro — o suficiente para custear energia, mão de obra e insumos.
Sítios desvalorizados e gado abaixo do preço
A crise do leite também está derrubando o preço das propriedades. Wesley relata que sítios que antes eram avaliados em R$ 600 mil hoje não saem por R$ 500 mil, mesmo com estrutura montada. O motivo? A atividade leiteira deixou de ser atrativa. “Se não baixar o preço, ninguém compra.”
Além disso, o valor do gado também caiu. Bezerras que, segundo o produtor, deveriam valer R$ 13 mil, estão sendo vendidas por menos de R$ 10 mil. Em leilões recentes, a procura foi tão baixa que parte dos animais voltou para o próprio vendedor.
Hora de desistir? Especialista alerta para cautela
Leonardo Peres, médico veterinário e gerente regional da Chemitec Agro-Veterinária, alerta que “abandonar a produção não deve ser a primeira alternativa”. Embora o momento seja de baixa, o setor vive ciclos. Em julho de 2022, o litro chegou a R$ 3,57, caiu para R$ 1,97 em outubro de 2023 e voltou a **R$ 2,87 em setembro do mesmo ano.
“O negócio leiteiro precisa ser gerido com visão de longo prazo”, afirma. Segundo ele, os pequenos produtores — que representam 90% da base produtiva do Brasil — precisam focar em gestão de custos, uso racional de insumos e melhoria contínua da qualidade do leite, além de avaliar modernizações que reduzam gastos no médio e longo prazo.
O risco real: êxodo rural e perda de soberania alimentar
A desvalorização dos produtos da roça somada à falta de incentivo econômico pode acelerar um processo preocupante: a saída de pequenos produtores da atividade e o abandono da vida no campo. E isso tem consequências graves: concentração fundiária, aumento da insegurança alimentar e perda de diversidade produtiva.
“A vida na roça está cada vez mais dificultada”, lamenta Wesley. “A gente luta com custo alto, colhe e não lucra. Isso vai afastando a nova geração.”
Um chamado à ação, não ao preço do leite
A crise do leite não é nova, mas sua repetição constante — agora em pleno período de seca — exige olhar estratégico de políticas públicas e da cadeia industrial. O pequeno produtor não pode seguir como o elo mais fraco de uma cadeia que movimenta bilhões, mas que ainda não sabe remunerar com justiça quem levanta às 4h da manhã para ordenhar a vaca.
É hora de diálogo, apoio técnico, estímulo à exportação, regulação das importações e investimento em tecnologia acessível. Porque se o campo parar, o Brasil também para.
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