A real influência da raça na qualidade da carne bovina

É crescente a necessidade de produzir carne com características que agradem aos mercados mais exigentes, e isso tem sido a grande preocupação

O Brasil encontra-se entre os grandes produtores de carne bovina e ocupa posição de destaque no cenário mundial de exportação de carnes, no entanto, ainda enfrenta muitos problemas e preconceitos quanto à qualidade da carne proveniente de seu rebanho, que é composto basicamente por animais zebuínos e seus cruzamentos, a raça Nelore destaca-se dentre as raças que compõem o rebanho nacional.

Os animais da espécie Bos indicus, ou seja, animais de raças zebuínas são conhecidos pela ótima adaptabilidade, rusticidade, habilidade materna e resistência a ectoparasitos, apesar destas vantajosas características estes animais são desapreciados por apresentarem carcaças e consequentemente carne com qualidade inferior. Em contrapartida, os animais da espécie Bos taurus apresentam maior precocidade, potencial de crescimento e melhor acabamento de carcaça, mas são menos adaptados às nossas condições naturais.

É crescente a necessidade de produzir carne com características que agradem aos mercados mais exigentes, e isso tem sido a grande preocupação dos integrantes da cadeia produtiva de carne, constituída de produtores, indústrias frigoríficas e varejo. Diante das dimensões da bovinocultura de corte brasileira todas as raças e cruzamentos têm espaço, contanto que os animais destinados a produção sejam devidamente escolhidos e manejados de modo a explorar ao máximo seu potencial produtivo.

Segundo Koohmaraie (2003) aproximadamente 46% das variações na maciez da carne bovina são devido à genética do animal enquanto que 54% das variações são explicadas pelo efeito de ambiente, quando o estudo é realizado entre raças diferentes.

Quando a análise é feita dentro de uma mesma raça a genética do animal explica apenas 30% das variações na maciez, enquanto que 70% são dependentes do efeito de ambiente. As diferenças encontradas na maciez da carne quando a análise é feita apenas com uma raça (incluindo animais Bos indicus) é tão grande quanto aquela entre raças, nos permitindo afirmar que dentro de um grupo de animais, indiferente da raça estudada haverá animais de ótima e de péssima qualidade, vislumbrando dessa maneira a produção de carne de qualidade em rebanhos com alto grau de sangue zebuíno, o que é muito interessante diante da proporção de raças zebuínas que perfazem o rebanho nacional.

A carne provenientes de animais Bos indicus e cruzamentos com grande proporção de sangue Bos indicus é conhecida pela menor maciez que apresenta, entretanto estes animais podem produzir carne de qualidade superior se os fatores relacionados às variações na maciez forem conhecidos e controlados e desta forma possam ser estabelecidos parâmetros para a produção desta carne.

De acordo com os apontamentos de Dikeman (1995) a carne proveniente de bovinos com 50% ou mais de Bos indicus no genótipo apresentam decréscimo significante na maciez da carne. Segundo Koohmaraie et al. (2003), para uma produção eficiente de carne com qualidade, é necessário que os pontos críticos ligados à produção sejam controlados, pois mesmo utilizando-se as ferramentas do melhoramento genético os fatores ambientais ainda são responsáveis pela maioria das variações na maciez da carne.

Recentemente, pesquisadores (KING et al., 2006) realizaram um estudo comparativo entre animais de diferentes graus de sangue Bos indicus (¾ Bos indicus x ¼ Angus ou ¾ Angus x ¼ Bos indicus) e dentre todas as características relacionadas à desempenho e qualidade de carcaça e carne, constataram que apenas a área de olho-de-lombo (área do músculo Longissimus dorsi, ou área do Contrafilé), grau de marmorização e a classificação americana “Quality Grade” (relativa à maturidade da carcaça e marmorização) apresentaram valores maiores nos animais com maior porcentagem de Bos taurus (Tabela 1).

Tabela 1. Médias dos quadrados mínimos das características de desempenho e carcaça das diferentes proporções de Bos indicus e Bos taurus
tabela-1
Fonte: Beef Point

AxF1 = touro Angus x fêmea ½ Angus ½ Bos indicus; F1xA = touro ½ Angus ½ B. indicus x fêmea Angus;

BxF1 = touro B. indicus x fêmea ½ Angus ½ B. indicus; F1xB = touro ½ Angus ½ B.

indicus x fêmea B. indicus; F1xF1 = touro ½ Angus ½ B. indicus x fêmea ½ Angus ½ B. indicus.

LMA = área do Contrafilé medido na região da 12ª costela; Marbling = Marmorização;
Quality Grade = Classificação americana de qualidade.

No entanto, este experimento não se limitou a estudar apenas a influência genética, mas também o efeito individual de cada animal. Os pesquisadores tinham total controle de todos os cruzamentos realizados para gerar estes animais, separaram os mesmos em famílias e estudaram estas mesmas características entre animais de mesma composição genética, e puderam identificar uma variação maior que a encontrada entre animais com diferentes proporções de Bos indicus (Tabela 2).

Estes resultados encontrados por King et al. (2006) nos mostram que ainda há espaço para realização de um bom trabalho de seleção e que em um grupo de animais com alto grau de sangue zebuíno (¾ Bos indicus x ¼ Angus), normalmente injustiçados por produzirem carne de qualidade inferior, há animais com atributos genéticos capazes de produzir carne com características de qualidade e desejáveis pelos consumidores, principalmente a maciez.

Tabela 2. Médias dos quadrados mínimos das características de carcaça
tabela-2
Fonte: Beef Point

FAM = famílias; HCW = peso de carcaça quente; Adjusted fat thickness (mm) = espessura de gordura subcutânea; LMA = área do Contrafilé medida na região da 12ª costela; KPH = quantidade de gordura pélvica, coração e rim; Yield Grade = Classificação de rendimento.

Além da seleção, a utilização de cruzamentos é uma ótima ferramenta para explorar o efeito de heterose ou vigor hibrido que existe entre diferentes raças, quanto mais diferentes forem as raças utilizadas no cruzamento, maior será a heterose conseguida.

Além do efeito de heterose, há também o benefício da complementaridade, ou seja, o produto do cruzamento apresentará as características desejáveis das raças utilizadas no cruzamento, por exemplo, se cruzarmos Bos indicus X Bos taurus o produto deste cruzamento apresentará maior rusticidade e adaptabilidade que animais puros Bos taurus, e maior precocidade, potencial de crescimento e acabamento de carcaça que os animais puros Bos indicus.

Os resultados que vêm sendo obtidos com cruzamentos em gado de corte reforçam a tese de que a contribuição dos mestiços para produção tende a se consolidar. No entanto, há necessidade de se buscar maior entendimento das relações existentes entre genótipo, ambiente e exigência de mercado para que se consiga otimizar a produção, não só alcançando maiores produtividade, competitividade e eficiência, mas também estabelecendo sistemas de produção que sejam sustentados a médio e longo prazos (EUCLIDES FILHO, 1995).

Ao concluir extenso trabalho de 30 anos com cruzamento entre raças pesquisadores (CUNDIFF et al., 1993 apud MANELLA, 2004) resumem o cruzamento industrial com a seguinte frase: “Nenhuma raça foi superior em todas as características para produção de carne bovina. Sistemas de cruzamento que exploram a heterose e a complementaridade e compatibilizam o potencial genético com restrições de mercado, alimentares e de clima fornecem o meio mais efetivo de melhorar geneticamente a eficiência da produção”.

Desta maneira podemos concluir que o Brasil apresenta capacidade genética para produzir carne com qualidade que agrade ao paladar dos grandes mercados consumidores de carne bovina. Não podemos deixar a responsabilidade da produção da carne brasileira sob o comando de apenas poucas raças, não é viável diante da demanda mundial. Independente da raça ou cruzamento escolhido, o importante é que seja realizado um planejamento consciente, que explore ao máximo o potencial genético das raças para que o resultado seja apenas um, carne de excelente qualidade mesmo em rebanho com forte grau de sangue zebuíno.

Fonte: Beef Point

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