‘Recuperação judicial no agro virou indústria que enriquece advogados’, diz Santander

Durante a Agrishow, o diretor da instituição financeira criticou o uso da recuperação judicial no agro, classificando-a como uma saída ilusória que pouco contribui para resolver os problemas enfrentados pelos produtores rurais

O cenário financeiro do agronegócio brasileiro tem mostrado sinais de alerta. De acordo com levantamento da Serasa Experian, o número de pedidos de recuperação judicial no setor agro disparou 138% em relação ao ano anterior. E as projeções para 2025 não são animadoras — tudo indica que essa tendência deve continuar.

Durante a 30ª edição da Agrishow, um dos maiores eventos do setor, o diretor de Agronegócio do Santander, Carlos Aguiar, chamou atenção para o avanço preocupante desse movimento. Ele apontou que produtores estão sendo seduzidos por promessas ilusórias de recuperação financeira, frequentemente promovidas por pessoas que, segundo ele, lucram com a fragilidade alheia.

Estamos enfrentando uma verdadeira indústria da recuperação judicial no campo, que enriquece advogados enquanto empobrece o produtor. Hoje, há mais gente oferecendo esse tipo de ‘saída’ do que agentes bancários dispostos a viabilizar crédito saudável”, destacou Aguiar.

O executivo criticou também a falta de adequação das linhas de crédito às realidades do pequeno produtor. Segundo ele, é essencial que bancos e cooperativas conheçam o perfil de seus clientes.Não faz sentido oferecer operações atreladas ao dólar ou à Selic para quem precisa de previsibilidade. O ideal, nesses casos, são financiamentos pré-fixados, mais simples e estáveis.”

Não faz sentido oferecer operações atreladas ao dólar ou à Selic para quem precisa de previsibilidade. O ideal, nesses casos, são financiamentos pré-fixados, mais simples e estáveis”, apontou o diretor.

Outro ponto levantado por Aguiar foi o alto custo envolvido em um processo de recuperação judicial, que pode girar entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões.

Como esperar que uma empresa em crise consiga arcar com esse valor e ainda tenha fôlego para se recuperar financeiramente?”, questionou.

Hoje, o portfólio de crédito do agronegócio no Santander soma cerca de R$ 100 bilhões. Desse montante, metade é destinada a 25 mil clientes do setor, enquanto a outra parte é composta por financiamentos com recursos subsidiados ou operados via BNDES. A expectativa do banco é manter esse volume estável em 2025, com possível crescimento modesto de até 5%.

Expectativa positiva apesar da “crise no agro”

Apesar das turbulências, Aguiar vê no próximo ano um potencial positivo, impulsionado por uma safra volumosa e preços favoráveis das commodities. No entanto, ele adverte que o setor não deve se apoiar apenas nos bons ventos do curto prazo. A tensão comercial entre Estados Unidos e China, embora beneficie momentaneamente o Brasil, pode prejudicar a economia global no médio e longo prazo — e isso inevitavelmente respinga no campo.

O agro não pode viver à mercê de efeitos temporários. A instabilidade entre grandes potências pode comprometer o crescimento global, e isso atinge diretamente o produtor rural brasileiro”, finalizou.

O produtor não está mais sozinho: críticas à fala do Santander na Agrishow ganham força entre advogados do agro

A declaração do Santander durante a Agrishow 2025, em que o banco critica o suposto crescimento de uma “indústria da recuperação judicial que só enriquece advogados”, causou forte reação em diversos setores ligados ao agronegócio. Um dos posicionamentos mais contundentes veio do escritório João Domingues Advocacia, especializado em Direito Bancário aplicado ao campo, que rebateu com firmeza o discurso da instituição financeira.

Para o escritório, o banco tenta deslegitimar o uso da recuperação judicial como instrumento legítimo de defesa do produtor rural — exatamente num momento em que cresce o número de agricultores buscando justiça contra práticas abusivas impostas há décadas pelo próprio sistema bancário.

“Durante esses anos todos, os bancos batem recorde de faturamento. Ano após ano. Não existe crise para eles. A crise sempre foi do produtor rural, que muitas vezes não tira nem o custo de produção”, afirmou o escritório em nota pública, destacando práticas como venda casada de produtos, seguros prestamistas inflacionados e juros compostos acima de 30% ao ano.

A crítica também reflete um novo momento do setor agropecuário brasileiro: o produtor está cada vez mais informado sobre seus direitos e disposto a questionar contratos bancários abusivos. A ascensão da recuperação judicial no campo não se deve à criação de uma “indústria”, como sugerido, mas sim à ampla crise de endividamento agravada por fatores como clima, mercado e crédito restrito.

Com uma carteira de R$ 100 bilhões apenas no agro, o verdadeiro receio dos bancos — segundo o escritório — não é com a recuperação judicial em si, mas com a perda de controle sobre contratos que antes não eram questionados.

“O medo do banco não é com a ‘RJ’. É com o produtor entendendo que tem direito. É com o produtor parando de aceitar contrato abusivo. É com o produtor lutando por justiça,” conclui a nota.

Esse embate entre o setor jurídico e as instituições financeiras revela uma mudança estrutural no campo: o produtor rural brasileiro não apenas produz, mas agora também se defende — e isso pode reconfigurar as relações entre agro e crédito nos próximos anos.

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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