
A responsabilidade ambiental no campo vai muito além do infrator direto e exige do produtor conhecimento jurídico e gestão preventiva para evitar riscos legais e econômicos.
No Brasil, o produtor rural se vê cada vez mais no centro de debates ambientais. A crescente fiscalização, as exigências legais e o risco de responsabilização por danos ao meio ambiente tornaram o tema da responsabilidade ambiental uma preocupação prática, não apenas jurídica.
Para o pecuarista, que lida com grandes áreas, nascentes, cursos d’água e cobertura vegetal nativa, entender como funciona a legislação ambiental deixou de ser um diferencial para se tornar uma necessidade básica de gestão e de mercado.
A responsabilidade ambiental, ao contrário do que muitos pensam, não se limita ao infrator direto. Ela se estende a diversos agentes envolvidos com a área degradada: o atual proprietário, o anterior, o arrendatário, o administrador, o parceiro agrícola e até mesmo terceiros que tenham contribuído para o dano, ainda que de maneira indireta.
Entre os sujeitos envolvidos na responsabilidade ambiental podem estar desde o causador direto do dano (quem realiza um desmate ilegal) até sujeitos indiretos, como o financiador de uma obra sem licenciamento, o adquirente de imóvel com passivo ambiental não declarado, o administrador de empresa que descumpre condicionantes ambientais, ou mesmo o ente público que se omite no dever de fiscalização.
Por natureza difusa, entende-se um bem indivisível e de titularidade indeterminada, pertencente a todos e a cada um, que sua proteção não se restringe a indivíduos específicos, mas à coletividade como um todo.
A crescente judicialização de conflitos ambientais tem evidenciado uma relevante confusão entre conceitos: 1) a responsabilidade civil ambiental (de natureza objetiva); 2) a solidariedade passiva (devedores ou causadores) e; 3) as chamadas obrigações propter rem (decorrentes do domínio ou posse de imóvel rural).
Para tornar mais acessível a compreensão desses conceitos, vale uma breve explicação.
A expressão “propter rem” é um termo em latim que significa “por causa da coisa” e, no contexto ambiental, refere-se a obrigações legais que acompanham a propriedade rural, como manter áreas de preservação ou recuperar vegetação nativa, independentemente de quem causou o dano.
A responsabilidade objetiva é aquela em que não se exige provar culpa ou intenção, nem negligência, imprudência ou imperícia: basta que a conduta tenha causado o dano ambiental. Por exemplo, se houver desmate de vegetação nativa sem licença ambiental, há obrigação de reparar o dano, mesmo que alegue desconhecimento da proibição.
A responsabilidade solidária significa que várias pessoas podem ser cobradas integralmente pela reparação, mesmo que apenas uma tenha causado o dano. Por exemplo, um arrendatário e um proprietário rural que exploram uma área irregularmente, onde ambos podem ser cobrados pela totalidade da reparação ambiental, cabendo a eles discutirem entre si quem arcará com qual parte.
Embora esses conceitos compartilhem o mesmo cenário normativo de direito ambiental, possuem naturezas jurídicas, fundamentos e consequências práticas bastante diferentes.
A crescente complexidade da legislação e da interpretação das leis pelos tribunais, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pela fiscalização (Ministério Público, Ibama, órgãos ambientais), têm alimentado uma confusão conceitual os três institutos distintos, frequentemente sobrepostos indistintamente.
Essa confusão amplia indevidamente os limites da responsabilização, produzem insegurança jurídica e desproporcionalidade para o setor produtivo e demais envolvidos com uso de recursos naturais.
Frequentemente percebe-se atribuição automática de responsabilidade com base apenas na titularidade da propriedade ou na presença de danos ambientais, sem análise de elementos essenciais como o nexo de causalidade ou a existência de conduta ilícita.
Em casos emblemáticos, tem-se atribuído responsabilidade civil por dano ambiental a proprietários que não deram causa ao ilícito, ou imposto solidariedade a adquirentes de imóveis que sequer existiam à época da degradação, em evidente deturpação das balizas legais previstas nos artigos 264, 265 e 927 do Código Civil e no art. 14, §1º da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.
A diferenciação conceitual é não apenas desejável, mas imprescindível para a preservação da coerência normativa e da segurança nas relações jurídicas agrárias e ambientais.
E o que diz a legislação?
No direito ambiental brasileiro, a responsabilização por danos causados ao meio ambiente é regida por um modelo específico de responsabilidade civil: a responsabilidade objetiva, que significa que não é necessário provar que houve culpa (negligência, imprudência ou imperícia) por parte do agente causador do dano, com a presença de três elementos centrais: conduta, dano e nexo de causalidade da conduta com o dano.
Um exemplo prático: uma fazenda onde, há muitos anos, houve desmate uma de área de preservação permanente. O atual proprietário, não sabendo da situação passada, ao ser cobrado pela recuperação da área, com reflorestamento e supervisão técnica.
Além de punir condutas lesivas, a responsabilidade civil ambiental tem também uma função preventiva. Ela atua como um alerta de que a exploração econômica da terra deve ser feita com respeito às leis ambientais, sob pena de reparação.
Convém lembrar que o Ministério Público e os órgãos ambientais têm instrumentos de atuação extrajudicial muito eficazes. Os TACs (termo de ajustamento de conduta), cada vez mais comuns, são utilizados para regularizar passivos, exigir PRADAs (projeto de recuperação de área degradada ou alterada) e estabelecer cronogramas de recomposição florestal.
No entanto, é preciso atenção: ao assinar um TAC, o produtor assume obrigações que se tornam título executivo, ou seja, podem ser cobradas judicialmente. Ainda que outros corresponsáveis sejam conhecidos, o cumprimento do acordo recai sobre quem o assinou.
Além disso, alguns TACs de Ministério Público exigem “indenizações ambientais” que, não são equiparadas a recuperação da área danificada, mas são verbas indenizatórias e, neste caso, significa que é necessário provar que houve culpa (negligência, imprudência ou imperícia) por parte do agente causador do dano, com a presença de: 1) Conduta – uma ação ou omissão (por exemplo, supressão irregular de vegetação nativa); 2) Dano – lesão efetiva ao meio ambiente (como assoreamento de um rio ou destruição de área de preservação); e 3) Nexo de causalidade – uma relação direta entre a conduta e o dano (o que distingue o autor do dano de terceiros não envolvidos).
Esse tripé é indispensável para configurar a responsabilidade civil. O simples fato de alguém ser dono do imóvel onde há degradação ambiental não basta, por si só, para configurar sua responsabilização civil indenizatória, é preciso demonstrar que essa pessoa contribuiu com o dano ou deixou de evitar sua ocorrência.
Solidariedade na responsabilidade ambiental: presunção ou exceção?
A responsabilidade civil ambiental tem sido vista como solidária pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que significa que todos os agentes envolvidos, direta ou indiretamente, na cadeia de eventos que levou à degradação ambiental podem ser responsabilizados integralmente, sendo facultado ao autor da ação demandar um, alguns ou todos os coautores, nos termos do litisconsórcio facultativo.
O respaldo normativo para essa configuração encontra-se nos artigos 3º, IV e 14, §1º da Lei 6.938/81, que definem “poluidor” de forma ampla, abrangendo qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que direta ou indiretamente cause degradação ambiental.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem adotado o entendimento de que a responsabilidade civil ambiental admite solidariedade entre os envolvidos, o que se consolidou em três súmulas , ou seja, uma orientação dos tribunais que resume entendimento consolidado sobre assuntos, a partir de diversos julgamentos anteriores.
Já em outros casos o STJ firmou que a responsabilidade solidária é de execução subsidiária, ou seja, somente será executado caso o poluidor direto não arque com sua obrigação (Recurso Especial 1.071.741/SP).
A solidariedade, no direito civil, significa que qualquer um dos devedores pode ser cobrado pela totalidade da obrigação, cabendo a este, depois, buscar o reembolso dos demais. No contexto da responsabilidade ambiental, essa regra tem sido aplicada de forma ampla, de modo questionável.
O Código Civil , nos artigos 264 a 265, deixa claro que a solidariedade não se presume: ela decorre de lei ou de convenção entre as partes. Portanto, aplicar a solidariedade a qualquer caso de dano ambiental sem base legal específica pode contrariar esse princípio.
Ainda assim, essa solidariedade não é absoluta. O artigo 257 do Código Civil restringe sua aplicação e, especialmente no campo ambiental, exige reflexão caso a caso.
Há um alerta para o abuso da tese da solidariedade ambiental como uma forma de “solução fácil” para responsabilização que, muitas vezes, ignora o dever de comprovar a conduta lesiva de cada agente.
E assim, transformar todo e qualquer envolvido em solidariamente responsável é um atalho perigoso que pode gerar injustiças e distorções econômicas.
Não se deve desconsiderar o grau de envolvimento, a existência de culpa e a efetiva contribuição para o dano, o que amplia perigosamente o conceito de responsabilidade.
Por exemplo, se um novo proprietário de terra é responsabilizado solidariamente por um desmatamento feito há décadas por antigo dono, sem que tenha contribuído ou se beneficiado do ilícito, isso pode inviabilizar investimentos legítimos e até mesmo a recuperação ambiental com a exigência de uma indenização pecuniária pelos danos.
Por outro lado, o STJ fixou uma tese relevante de que a simples aquisição de produto vinculado ao dano ambiental, sem participação na conduta causadora, não gera responsabilidade civil.
No caso, empresas que haviam comprado metanol transportado por um navio que explodiu não foram responsabilizadas pelos danos aos pescadores, pois não havia nexo causal.
E essa decisão reforça que a mera presença na cadeia econômica, sem participação no fato danoso, não é suficiente para responsabilização.
Sendo assim, há um ponto de atenção na distinção entre poluidor direto (quem executa a ação danosa) e poluidor indireto (quem se beneficia ou concorre para o dano de forma indireta).
Essa distinção é essencial para evitar que a solidariedade se transforme em presunção de culpa coletiva, especialmente em cadeias produtivas complexas, como as do agronegócio ou da mineração.
No contexto agroindustrial, por exemplo, a responsabilização solidária imoderada poderia levar à imputação de deveres reparatórios a fornecedores de insumos agrícolas, como fabricantes de fertilizantes ou defensivos, cooperativas de crédito rural, transportadoras, empresas de beneficiamento, silos de armazenamento, indústrias de processamento alimentar e até varejistas ou exportadores finais, simplesmente por integrarem a cadeia de valor de um produto originado em uma área degradada, ainda que nenhum deles tenha atuado com culpa, negligência ou conhecimento do ilícito ambiental.
Trata-se de risco real quando se considera que o agronegócio, conforme a clássica definição de Davis e Goldberg (1957) , abrange todas as etapas desde a produção até a distribuição e comercialização.
Nesse cenário, uma interpretação extensiva e indistinta da solidariedade pode comprometer setores inteiros da economia, penalizando elos da cadeia que sequer participaram da tomada de decisão sobre o uso da terra ou da exploração ambiental.
Por fim, vale uma reflexão: a responsabilidade ambiental, embora dura, não precisa ser um obstáculo intransponível. Ela pode ser um fator de organização e valorização do imóvel.
Uma fazenda ambientalmente regular tem maior liquidez, acesso a mercados externos exigentes e menos vulnerabilidade a sanções. O produtor que entende esse cenário sai na frente.
A mensagem final é clara: não basta produzir com eficiência, é preciso produzir com responsabilidade. E isso exige conhecimento jurídico, técnico e estratégico.
Ao compreender as regras da responsabilidade ambiental, o produtor se protege, valoriza sua propriedade e contribui para um modelo de agronegócio mais resiliente e sustentável.
Fonte: Scot Consultoria
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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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