
A resposta direta: sim, tilápia e Saint Peter são o mesmo peixe, mais precisamente, ambas as nomenclaturas referem-se à tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus)
Na última década, a tilápia se firmou como o carro-chefe da piscicultura brasileira. Em 2024, segundo dados da Associação Brasileira da Piscicultura (PeixeBR), das quase 969 mil toneladas de peixes cultivados em território nacional, mais de 887 mil toneladas foram de tilápia. Isso representa mais de 70% de toda a produção, consolidando o peixe como uma das proteínas mais acessíveis e versáteis da dieta brasileira.
Com esse avanço, a tilápia também ganhou novas formas de aparecer no mercado, e uma em especial chama atenção: o nome “Saint Peter”, que se tornou símbolo de requinte nos cardápios e gôndolas. Mas o que está por trás dessa mudança de nome? Há de fato uma diferença entre tilápia e Saint Peter, ou é apenas uma jogada de marketing?
O mesmo peixe, duas formas de vender
A resposta direta: sim, tilápia e Saint Peter são o mesmo peixe. Mais precisamente, ambas as nomenclaturas referem-se à tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus), uma das espécies mais adaptáveis e produtivas na piscicultura mundial.
Segundo Felipe Chagas, gerente de piscicultura da GT Foods, a diferença se restringe a pequenos aspectos, como linhagens genéticas específicas e a coloração da pele. O peixe comercializado como Saint Peter costuma ter tonalidade mais avermelhada e uma aparência mais “limpa”, sem o pigmento cinza típico da tilápia tradicional — o que não altera sabor ou qualidade nutricional, mas favorece a aparência no mercado premium.

A origem do nome Saint Peter: fé, marketing e sofisticação
O nome Saint Peter não surgiu por acaso. Ele carrega uma conotação simbólica fortemente ligada à tradição cristã. Acredita-se que o peixe usado por Jesus Cristo no milagre da multiplicação dos pães e peixes seria justamente uma tilápia — uma espécie abundante no Mar da Galileia e em toda a região do Oriente Médio.
O nome “Saint Peter” faz alusão ao apóstolo Pedro, o primeiro discípulo de Cristo, conhecido por sua profissão de pescador. A associação religiosa criou uma aura de respeito e história em torno do peixe, tornando-o ainda mais atrativo aos olhos do consumidor — especialmente quando combinado com uma apresentação mais refinada.
Gourmetização e linguagem de prestígio
Valter Palmieiri Junior, professor de economia do alimento na Strong Business School e estudioso do fenômeno da gourmetização, explica que a adoção de nomes estrangeiros é uma estratégia bastante usada no mercado para transformar produtos populares em itens valorizados.
“Quando o mercado opta por chamar a tilápia de Saint Peter, ele está, na verdade, aplicando uma mudança de linguagem que altera a percepção do consumidor. Mesmo sendo o mesmo peixe, o nome estrangeiro e elegante dá a ideia de exclusividade. Esse é um recurso clássico de marketing: reforçar o valor simbólico sem alterar a essência do produto”, afirma.
Palmieiri acrescenta que essa prática não é exclusiva do setor pesqueiro. O mesmo processo acontece com cortes de carne bovina, como o contrafilé vendido como “bife ancho” ou com o frango que vira “supreme” no menu de um restaurante.
Preço diferente, custo igual
Um dos efeitos mais evidentes dessa estratégia é o impacto no preço final ao consumidor. Embora o custo de produção da tilápia e do Saint Peter seja praticamente o mesmo, os restaurantes e supermercados conseguem cobrar mais caro pelo segundo nome — muitas vezes apenas por causa da apresentação.
“Um restaurante que escreve ‘Saint Peter grelhado com legumes assados’ pode cobrar significativamente mais do que se oferecesse ‘filé de tilápia com legumes’. A descrição afeta diretamente a percepção de valor. Estamos diante do mesmo alimento, mas embalado em uma narrativa mais sofisticada”, aponta Palmieiri.

O que isso significa para o consumidor?
Do ponto de vista prático, sabor, textura, valor nutricional e modo de preparo são, em grande parte, idênticos entre tilápia e Saint Peter. O que realmente muda é a experiência de consumo — fortemente influenciada pelo nome, pela apresentação do prato, pela embalagem e até pelo ambiente onde ele é servido.
Consumir um “Saint Peter ao molho de ervas” pode soar como uma escolha refinada, mesmo que se trate da tilápia que você encontra facilmente no mercado do bairro. Essa reinterpretação do produto é uma forma de oferecer ao consumidor a sensação de prestígio e de pertencimento a um grupo de escolhas mais elevadas — ainda que a essência permaneça a mesma.
Tilápia: de peixe simples a ícone gastronômico
O caso da tilápia é um exemplo emblemático de como o marketing e a construção simbólica de um produto podem moldar o comportamento de consumo. A “nobreza” do Saint Peter não está no DNA do peixe, mas sim no poder da narrativa que o envolve.
No fim das contas, o sucesso da tilápia não se deve apenas à sua produtividade nas fazendas aquícolas, mas também à sua incrível capacidade de adaptação — inclusive às linguagens do mercado. Com ou sem nome sofisticado, ela continua sendo a proteína aquática mais consumida do Brasil. A diferença está em como ela chega ao prato.
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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