Sem água e sem pasto, produtores trocam gado por abelha

Região tem mel considerado especial e exporta quase toda a produção com lucro de 70%

“O serviço meu é esse. O único serviço que tem é mexer com as abelhinhas mesmo”, diz Moisés Rito da Silva, 50, produtor rural de Bocaiuva (MG), a 380 km de Belo Horizonte, na região norte do estado castigada pela seca.

A cidade oscila entre o segundo e o terceiro lugar entre as maiores produtoras de mel de Minas Gerais. A apicultura, incentivada pela Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), do governo federal, virou alternativa ao plantio e à criação de gado, atividades dependentes da água que não há.

Desde o ano passado, Silva testa a novidade ainda de maneira tímida, com 12 apiários –espécie de caixa onde as abelhas produzem o mel. O investimento rende cerca de R$ 200 por mês e é motivo de comemoração.

“Pra mim está bom demais. Eu gostei. É um serviço melhor, porque um pacotinho de cebola você vende a R$ 2”, afirma Silva. Já faz nove anos que ele desistiu de criar gado por falta de capim. A plantação, por sua vez, só rende dois meses ao ano, quando chove.

“Duas ou três ferroadas de abelha é bom pra coluna”, brinca. Estudos comprovam que o mel de aroeira produzido no norte de Minas tem, na verdade, outras propriedades: é digestivo, é anti-inflamatório e combate úlcera e gastrite.

Esse tipo de mel é encontrado exclusivamente no ecossistema da Mata Seca, que predomina na região. Durante a seca, com a escassez de flores, as abelhas se voltam para a aroeira, que produz um mel escuro, menos adocicado e que não cristaliza.

Enquanto um quilo de mel tradicional é vendido a R$ 7, o mel de aroeira chega a R$ 10. Considerando que um apiário produz cerca de 30 quilos de mel por ano e, mesmo conciliando com outras atividades, um produtor consegue tomar conta de cem apiários, a renda bruta pode ultrapassar R$ 20 mil e o lucro chega a 70%.

Fazendo as contas, Gilberto Sarmento, 59, também abandonou o gado.

“O boi tem que dar vacina e alimentação. A abelha você põe no mato e não tem que ficar olhando. Não tem nem cerca para consertar. Não dá trabalho”, afirma.

Os produtores de mel fazem parcerias com fazendas de eucalipto e responsáveis por áreas de preservação para espalhar os apiários pela zona rural de Bocaiuva. Como a atividade não exige dedicação exclusiva, dá para aproveitar inclusive as próprias áreas de pasto para manter as caixas.

Até agosto, Sarmento produziu 860 quilos de mel. Ele não colhe nada da sua plantação de milho, feijão e mandioca há quatro anos. A cisterna secou e a água para o consumo só chega após viajar 4 km de canos, vinda de uma nascente na serra. A família de cinco filhos e três netos é beneficiária do Bolsa Família.

“Está muito feia a seca. Eu plantava horta e nem plano mais. Tem que economizar”, diz Maria Edinalva Santos, 48, que complementa a renda com apicultura há cinco anos. A presença das mulheres é forte no setor.

Na associação de apicultores de Guaraciama (MG), cidade vizinha, 60% dos produtores são mulheres.

Em todo o norte de Minas, são 25 associações de apicultura. A região produz de 800 toneladas a 1.000 toneladas de mel por ano —85% é exportado. Quase metade da produção vem da Coopemapi (Cooperativa dos Apicultores e Agricultores Familiares do Norte de Minas).

A cooperativa reúne 280 produtores de 25 cidades e se prepara para dar um salto com a inauguração do Entreposto de Mel de Bocaiuva, onde o mel poderá ser industrializado, embalado e comercializado dentro dos padrões exigidos pela lei.

Hoje, depois da extração e beneficiamento, o mel tem que viajar para entrepostos de outras regiões. A economia com a industrialização local chegará a R$ 750 mil por ano. O mel já processado também dobra de valor e pode ser vendido a R$ 14 por quilo.

Em 2001, a região tinha cerca de 600 criadores de abelhas. Três anos mais tarde, a Codevasf iniciou cursos de capacitação, distribuição de equipamentos e construção unidades de extração. Atualmente o norte mineiro tem 1.500 famílias de apicultores.

Segundo os técnicos da companhia, há um potencial de produção ainda não explorado e as perspetivas são boas. Em contraste com a diminuição da chuva e o agravamento da seca nos últimos seis anos, a apicultura não parou de crescer.

Fonte: Folha de São Paulo

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