
Mudanças no clima forçam produtores a adaptarem a alimentação das vacas, o que altera a composição do leite e transforma o aroma, a textura e até a cor dos queijos tradicionais.
O aquecimento global não afeta apenas o clima e os campos: ele também está chegando à mesa. Estudos científicos recentes revelam que a mudança na alimentação das vacas leiteiras, forçada por condições climáticas extremas como a seca, já está impactando diretamente o sabor, a textura e até a cor de queijos tradicionais. Produtos que antes tinham sabores complexos e aromas marcantes estão perdendo suas características, conforme os pastos secam e os produtores recorrem a rações alternativas.
Na linha de frente dessas descobertas está o Dr. Matthieu Bouchon, pesquisador do INRAE – Instituto Nacional de Pesquisa Agrícola, Alimentação e Meio Ambiente da França. Ele integra uma equipe que vem analisando como a substituição do capim fresco por silagem de milho e outros alimentos concentrados afeta a qualidade nutricional e sensorial dos derivados do leite, com ênfase especial nos queijos artesanais.
Secas prolongadas comprometem o crescimento do capim, elemento-chave na dieta das vacas leiteiras. Quando o pasto não se desenvolve adequadamente, os agricultores precisam recorrer a fontes de alimentação armazenadas – como feno e silagem de milho –, que mantêm o volume de produção de leite, mas comprometem sua composição.
Segundo o Dr. Bouchon, a redução na ingestão de pasto fresco diminui os teores de ácidos graxos benéficos, como os ômega-3, importantes para a saúde humana. Isso ocorre porque o capim contém compostos naturais que melhoram tanto o valor nutricional do leite quanto o perfil aromático dos queijos.
A alimentação do gado influencia muito mais do que a quantidade de leite produzido. Ela altera a estrutura química do leite, interferindo diretamente na produção e nas propriedades sensoriais do queijo. A pesquisa liderada por Bouchon mostrou que:
- Queijos produzidos com leite de vacas alimentadas com pasto fresco têm coloração mais amarelada, textura mais macia e sabores mais intensos e complexos.
- Já aqueles oriundos de vacas com dietas baseadas em silagem ou ração concentrada tendem a ser mais pálidos, firmes e de sabor suave, menos atrativos para consumidores que valorizam produtos artesanais e naturais.
Embora o milho e outros concentrados ajudem a manter a produção em períodos críticos, os queijos resultantes perdem nuances desejadas, como o sabor herbáceo e o aroma lácteo típico de queijos de pasto. Além disso, a textura pode mudar, tornando-se mais seca ou borrachuda, o que diminui o apelo sensorial.
Esse fenômeno preocupa especialmente os pequenos produtores que dependem de queijos diferenciados para se posicionar no mercado gourmet. Eles sabem que seu diferencial está ligado ao terroir, ou seja, à ligação entre a alimentação dos animais e a identidade do produto final.
Fazendas leiteiras enfrentam o desafio de equilibrar custo e qualidade. A substituição do pasto por silagem pode baratear a alimentação, mas compromete a aceitação do queijo e, portanto, o retorno financeiro. Ignorar os efeitos das secas também não é opção: sem capim, as vacas emagrecem e a produção cai.
Encontrar o ponto de equilíbrio entre nutrição, produção e características sensoriais é hoje um verdadeiro desafio. Cada mudança na dieta impacta o funcionamento do rúmen da vaca – um sistema digestivo complexo e altamente sensível –, o que pode, por sua vez, alterar inesperadamente a composição do leite.
Diante desse cenário, produtores e pesquisadores estão em busca de soluções. Novas variedades de capim mais tolerantes ao calor, tecnologias de conservação da água, e sistemas de pastoreio rotativo são algumas das apostas para manter o pasto vivo mesmo em períodos críticos.
Pesquisas também vêm orientando os produtores sobre como combinar ingredientes da ração para proteger o perfil nutricional do leite. A ciência do leite, como mostram os dados, envolve muito mais do que a ordenha diária: é uma engenharia alimentar que começa no solo e termina na prateleira.
A questão agora é: será possível manter a tradição dos queijos artesanais em um mundo de clima instável? Segundo os pesquisadores, preservar o uso do pasto, mesmo que em menor proporção, é fundamental para manter o sabor e a identidade desses produtos.
A cada ano mais quente e seco, aumenta a pressão sobre os sistemas produtivos. A esperança está em estratégias de adaptação que permitam produzir leite de qualidade sem sacrificar a sustentabilidade e sem perder o sabor que conquistou gerações de consumidores.
As mudanças climáticas já não são um problema distante – elas estão moldando o sabor dos alimentos. O queijo, símbolo de tradição e terroir, tornou-se um termômetro sensível das alterações na cadeia alimentar. O que antes era uma questão de paladar, agora é também um reflexo do clima.
Enquanto os consumidores buscam produtos com mais ômega-3, sabor autêntico e texturas marcantes, os produtores enfrentam o desafio de alimentar bem suas vacas sem depender exclusivamente de pastos cada vez mais raros. A ciência e a inovação devem andar lado a lado para preservar o que há de melhor no campo – e no prato.
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