Mesmo com a receita em alta, setor cafeeiro enfrenta gargalos logísticos, queda exportações brasileiras de café e risco concreto de perder espaço no paladar americano
As exportações brasileiras de café atravessam um momento decisivo. A partir de agosto, quando o governo Donald Trump impôs um tarifaço de 50% sobre os cafés importados do Brasil, o fluxo comercial sofreu um baque imediato: em apenas três meses, os embarques ao maior mercado consumidor do mundo despencaram 51,5%, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). Para um país que historicamente abastece cerca de um terço do café consumido nos EUA, o alerta não poderia ser mais grave.
A queda acontece justamente no momento em que os preços internacionais do café avançam e elevam a receita cambial brasileira. Em outubro, o Brasil exportou 4,141 milhões de sacas, uma retração de 20% frente ao mesmo mês de 2024.
Ainda assim, a receita cresceu 12,6%, chegando a US$ 1,654 bilhão — reflexo direto do ambiente global de preços aquecidos. No acumulado de janeiro a outubro, a situação se repete: embarques 20,3% menores, mas faturamento 27,6% maior, totalizando US$ 12,715 bilhões.
O presidente do Cecafé, Márcio Ferreira, explica que a retração era parcialmente prevista, mas o tarifaço norte-americano agravou todo o quadro. “O recuo das exportações era aguardado, principalmente após os volumes recordes de 2024 e uma safra com menor potencial produtivo. O que acentuou o cenário foi a infraestrutura defasada dos portos e a taxação de 50% pelos EUA, que tornou inviável o envio do café brasileiro para lá”, afirma.
Segundo ele, os poucos embarques mantidos correspondem a contratos firmados antes da taxação. “Estamos observando blends no mercado americano sem café brasileiro. Isso muda o paladar do consumidor. Se as tarifas demorarem mais a cair, pode ser difícil recuperar nossa participação tradicional nos EUA”, alerta.
Tarifaço dos EUA muda a dinâmica de mercado e preocupa a indústria americana
Entre agosto e outubro, período já sob vigência da tarifa extra, os EUA importaram 983.970 sacas do Brasil — um tombo histórico em relação aos 2,030 milhões adquiridos nos mesmos meses de 2024.
O café brasileiro está atualmente enquadrado na seção 3 da ordem executiva assinada por Trump, que lista produtos não produzidos nos EUA e sujeitos a taxação caso não haja acordo bilateral. Para reverter o cenário, o Cecafé trabalha para que o produto migre para a seção 2, que permitiria importação com tarifa zero.
Ferreira afirma que há sinais de disposição da Casa Branca em retirar as tarifas. “Os torrefadores americanos já iniciaram negociações com o governo Trump. Há indícios claros de que a Casa Branca deseja isentar o café brasileiro, principalmente pela necessidade do produto no mercado americano e pela inflação interna do café”, diz.
Mas, segundo ele, agora o avanço depende do governo brasileiro. “Nossos pares nos informaram que os EUA querem retirar a tarifa, e isso pode ser negociado isoladamente. A bola está com o governo brasileiro, que precisa entender que é melhor avançar passo a passo do que travar tudo por tentar negociar um pacote maior”, ressalta.
Portos também dificultam escoamento das exportações brasileiras de café
Além da pressão externa, há o fator doméstico. Ferreira destaca que a infraestrutura portuária defasada continua impedindo o embarque de centenas de milhares de sacas. O Porto de Santos, ainda que responda por 79% dos embarques, enfrenta gargalos crônicos de capacidade. Rio de Janeiro participa com 17,4%, e Paranaguá com apenas 1%.
Principais destinos mostram retração global — exceto o Japão
Mesmo com a queda, os EUA seguem liderando as importações:
- 4,711 milhões de sacas entre janeiro e outubro de 2025 (-28,1%).
Na sequência aparecem: - Alemanha (4,339 milhões; -35,4%)
- Itália (2,684 milhões; -19,7%)
- Japão (2,182 milhões; +18,5%) — único que ampliou compras
- Bélgica (1,912 milhão; -47,5%)
O balanço mostra um mercado global mais competitivo e afetado por custos logísticos elevados.
Arábica domina, cafés especiais ganham valor e sustentam parte da receita
O arábica segue como o carro-chefe das exportações, com 26,602 milhões de sacas, representando 79,9% do total. A canéfora aparece com 3,512 milhões, seguida do café solúvel (3,117 milhões) e do torrado e moído (48.920 sacas).
Mas o maior salto está nos cafés diferenciados — sustentáveis, certificados ou especiais.
Foram 6,580 milhões de sacas exportadas, queda de 11,1% no volume, mas uma explosão em receita: US$ 2,803 bilhões, alta de 44,1%. Os EUA lideram esse nicho, com 1,062 milhão de sacas, seguidos por Alemanha, Bélgica, Holanda e Itália.
O preço médio por saca no segmento chega a US$ 426, mais que o dobro do café comum.
Um mercado que pode mudar de mãos — e um alerta que não pode esperar
Para o Cecafé, o grande risco não é apenas conjuntural, mas estrutural: perder espaço nos EUA, um mercado que movimenta mais de US$ 1 trilhão por ano em consumo de café. A entrada de novos blends sem café brasileiro cria um precedente perigoso.
“Se as tarifas demorarem a cair, o consumidor pode se acostumar a outros perfis de sabor, e isso afeta diretamente nossa presença no maior mercado do mundo”, adverte Ferreira.
O setor agora se apoia em três frentes essenciais:
- Pressão diplomática para derrubar o tarifaço
- Correção urgente dos gargalos logísticos internos
- Proteção da fatia brasileira no mercado premium americano
Enquanto isso, o Brasil segue equilibrando um paradoxo: embarques menores, receitas maiores, preços aquecidos e um dos maiores desafios comerciais da última década.
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